Os três passos para a governação
O PS nunca foi tão de esquerda como hoje.
O congresso do Partido Socialista deste fim de semana inicia o percurso que nos levará até às legislativas de outubro próximo.
Assume-se numa nova liderança, comporta uma nova visão programática que se desenvolverá com o programa de governo, e não desistirá de trazer novos protagonistas.
Acontece que esta reunião magna não pode deixar de ponderar as condições de governabilidade que se apresentarão no final do próximo ano.
O PS vai tentar, sabendo o quão difícil se parece preanunciar, alcançar uma maioria confortável. Poderá não ser um resultado superior a 116 deputados, mas seria conveniente que se situasse num desfecho que o distanciasse, de forma segura, da segunda força mais votada.
Nessa circunstância, o PS estaria em boas condições para promover um governo alargado aos diferentes movimentos que, pelas sondagens e pela nossa própria constatação, poderão vir a obter representação parlamentar.
Esses grupos, integrando "ex" de várias origens, liderados por Rui Tavares ou Mendo Henriques, e os novos militantes da democracia republicana de Marinho e Pinto, poderiam autorizar uma governação estável com um programa mais consentâneo com os tradicionais valores ponderados do PS.
No entanto, será muito relevante que se o PS vier a vencer eleitoralmente, e seja qual for o resultado, comece por aqui mesmo – um primeiro passo que consagre esse alargamento de espaço político.
E esse passo chega? Em todas as circunstâncias PS, já em conjunto com os seus novos parceiros, deve propor um acordo com o PCP e com o BE. António Costa sabe como fazer.
Durante quatro décadas vivemos com um fantasma – o PS nunca conseguirá governar com o PCP. Mais recentemente, essa consignação alargou-se ao “Bloco”. Há, porém, quem não ache possível continuarmos a viver neste jogo de sombras e equívocos – os partidos parlamentares, mais rubros do que o PS, devem ser confrontados com a decisão final – que viabilizam ou não uma outra e nova governação à esquerda.
Para mal dos pecados da nossa vida política, o alfa e o ómega da discussão que se vai desenvolvendo nos últimos meses assentam em dois únicos critérios – renegociar a dívida; implodir o limite do défice. Ora, estes dois preceitos, por muito que sejam relevantes para a ação do próximo governom não podem, não devem, extinguir o campo de entendimento.
O PS deve assumir a sua visão de esquerda com a aceitação do reforço da proteção dos direitos dos trabalhadores; com um balanceamento do esforço fiscal dos indivíduos para o capital; com a sustentabilidade e eficácia dos bens e serviços sociais; e com a afirmação de um forte sentido de igualdade de oportunidades que encaixe desenvolvimento dos territórios e direito ao emprego.
Mas o PS não pode deixar de obter da esquerda à esquerda aquilo que é fundador e parte central do seu património – a defesa da integração europeia; a nossa presença no euro; a obrigação de contas públicas saudáveis; a nossa vocação atlântica; e a liberdade de iniciativa.
Muitos dirão que não vale a pena iniciar o processo, que ele está esgotado antes de se inaugurar. Estão muito enganados. Passar à fase seguinte sem garantir todos os esforços para vencer este “destino” de incompatibilidade crónica das esquerdas é, será, um erro grave.
Por último, um governo com o espaço à direita. Tudo o que dissemos pode confirmar ou eliminar esse governo. E se ele existir só pode resultar de dois fatores – um resultado insuficiente do PS, que será um sinal de que os portugueses querem um governo partilhado; e a confirmação definitiva do radicalismo comunista.
Perante tudo isto, com uma clareza que importa transmitir desde já, o PS não pode deixar de alertar para um futuro mais ou menos estável, mais ou menos proveitoso.
Seja como for, o PS nunca foi tão de esquerda como hoje. E o país olha para este PS como a única casa que rompe, política e programaticamente, com a estagnação que, vinda de muitos lados, impede uma saída para esta longa e grave crise.
O futuro está na política pura e não em questões esfumegantes que engordam as discussões sem sentido. E será esse regresso à política que nos dará, ou não, a esperança imprescindível para um novo país.
Membro do Secretariado Nacional do PS 2004-2010