O filme do desencontro entre o cineasta e o poeta

Edgar Pêra filma Fernando Pessoa na colagem audiovisual Lisbon Revisited, este domingo e na quinta-feira no DocLisboa.

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Em Lisbon Revisited Edgar Pêra faz dois filmes num DR

Em Agosto, Edgar Pêra apresentou fora de concurso no festival de Locarno o seu mais recente exercício experimental. Lisbon Revisited chega agora a Portugal, integrado no concurso internacional do DocLisboa, numa versão revista e retrabalhada como é hábito de um cineasta que parece nunca dar um filme por acabado. As duas exibições de Lisbon Revisited – São Jorge, domingo às 22h15, e City Campo Pequeno, quinta 23 às 18h30 – surgem quando está já marcada para finais de Novembro a estreia da primeira experiência de Pêra na comédia popular, Virados do Avesso, com Diogo Morgado no papel principal.

Prosseguindo com o 3D que começou a explorar com Cine-Sapiens, a sua contribuição para o projecto colectivo de Guimarães 3x3D, Lisbon Revisited é um filme-colagem à volta da obra de Fernando Pessoa. Como o cineasta explicou na introdução à primeira das duas projecções do filme em Locarno, Pessoa é para ele o poeta que melhor define o século XX “mas também os nossos dias”, de uma contemporaneidade omnipresente.

A partir de uma selecção de escritos dos seus vários heterónimos (e de uma das cartas de Ofélia Queirós), Pêra constrói uma absorvente e inquietante paisagem sonora de vozes, fragmentos de texto, música pré-existente (Berlioz, Schumann, Mahler) e construções abstractas, o todo ilustrado por imagens de Lisboa manipuladas ao extremo.

Lisbon Revisited é imediatamente visível como mais um dos múltiplos “kino-diários” de Pêra/“homem-câmara”, outra das suas experiências formais não-lineares que têm composto a maioria da sua obra, com a sua aposta num experimentalismo sensorial amplificada pelas possibilidades da imagem em relevo. Mas esbarra num problema de raiz que não era necessariamente previsível: este parece ser, não um, mas antes dois filmes, que correm em paralelo sem nunca se encontrarem verdadeiramente. Um, sonoro, é um portento de inquietação e sugestão que pedia um trabalho de imagem que estivesse ao mesmo nível. Mas o outro, visual, não está; e rapidamente se torna cansativo e redundante, devido ao (ab)uso da imagem invertida. Não é exactamente uma surpresa que assim seja - Pêra nunca foi, apenas, um cineasta da imagem e a sofisticação do seu trabalho sonoro tem sido uma constante na sua obra. A surpresa é que, desta vez, seja pelo som que recordamos um filme do cineasta.

 

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