Aécio Neves é o político que não precisa da política para viver e ser feliz

O líder do PSDB tem charme e jogo de cintura,e enorme popularidade. Mas na campanha demorou a revelar uma verdadeira gana de vitória.

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Aécio Neves Ueslei Marcelino/Reuters

O poder nunca caiu no colo de Aécio Neves de bandeja e sem esforço, mas o percurso trilhado pelo candidato presidencial mineiro, de 54 anos, não esteve exactamente repleto de dificuldades e agruras, como foi o caso das suas duas principais adversárias políticas e eleitorais, Dilma Rousseff e Marina Silva.

Aécio não passou fome, não foi militante estudantil, nem foi preso e torturado pelo regime militar. Aliás, até ao arranque da campanha eleitoral, o candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), cujo símbolo é o tucano, gabava-se da sua “vida boa”, um desabafo honesto mas potencialmente desastroso para quem se vai apresentar ao eleitorado num momento delicado em que nas ruas se reclama das condições que infernizam a vida de milhões de brasileiros.

Nascido a 10 de Março de 1960, Aécio Neves da Cunha integra uma “família com tradição política no Brasil”, como modestamente refere a sua biografia oficial publicada no livro da candidatura. Não é preciso dizer, porque o Brasil inteiro sabe, que Aécio é neto de um dos políticos mais proeminentes e mais populares que o Brasil já conheceu. Mas Tancredo, o Presidente eleito em 1985 que morreu antes de tomar posse, é uma figura que paira sobre Aécio como uma nuvem.

Foi como secretário particular do avô, em Belo Horizonte, que o jovem Aécio, então com 23 anos e recém-licenciado em Economia, iniciou a sua carreira profissional. Para trás ficava a sua vida no Rio de Janeiro, onde vivia desde os dez anos por força da carreira do pai. As duas cidades cruzam-se várias vezes na sua biografia, e ajudam a explicar a sua personalidade: “Misto de playboy carioca e menino do interior mineiro seria uma boa definição para Aécio, segundo quem o conhece bem”, escrevia a revista Piauí, num perfil do candidato presidencial publicado em Junho. Aécio gosta das “badalações” e do glamour da vida citadina, e também das raízes e simplicidade do mundo rural.

A iniciação política aconteceu em 1986, então no centrista Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que era a força política do seu avô e que ainda hoje é o maior partido do país. Aécio foi eleito deputado federal e rumou a Brasília. Dois anos mais tarde, foi um dos insatisfeitos com o Governo de José Sarney que assumiram a dissidência e logo a ruptura, e fundaram o PSDB. Em 1988, Aécio esteve no grupo de congressistas que trabalharam na redacção da Constituição.

Durante a década de 90, reelegeu-se três vezes consecutivas para a Câmara dos Deputados, que presidiu em 2001. Por inerência do cargo, foi “Presidente” durante três dias, quando Fernando Henrique Cardoso e o seu vice, Marco Maciel, estiveram fora do país ao mesmo tempo. Numa entrevista após a experiência, ao Estadão, disse que a experiência não lhe agradara: sentiu uma solidão profunda.

Depois, como o avô, foi governador de Minas Gerais de 2003 a 2010 – dois mandatos, com a reeleição a bater quase nos 80% dos votos válidos. De Belo Horizonte regressou a Brasília, agora como senador: não há discurso em que Aécio não lembre que a sua taxa de aprovação no governo estadual foi de 92%, nem mencione o sucesso do seu programa de gestão, assente num “choque de gestão” e “défice zero”.

Na campanha nacional, porém, o retrato mais ou menos idílico da sua gestão em Minas Gerais foi borratado com as notícias do chamado “mensalão tucano”, com as dúvidas levantadas num processo do Ministério Público relativo a verbas da saúde (que foi arquivado) ou com as suspeitas de corrupção que envolvem o seu projecto de construção de um aeroporto em terrenos da sua família.

E por falar em família, os mandatos de Aécio em Minas Gerais são também motivo de especulação na imprensa por causa da preponderância e influência da sua irmã Andrea – para muitos o cérebro da operação política Neves – responsável pela comunicação do governador (e agora do candidato presidencial). Aliados e adversários comparam-na a Goebbels, e assumem que é ela quem faz, nos bastidores, a articulação política da campanha.

Além de Andrea, um ano mais velha, tem outra irmã, Ângela. Em 1991 casou-se com a advogada Andrea Falcão, mãe da sua filha Gabriela, de 23 anos, e uma das suas melhores amigas e conselheiras (estão divorciados desde 1998). No ano passado, casou novamente com a ex-modelo Letícia Weber, de 34 anos, que em Junho foi mãe dos gémeos Júlia e Bernardo. Os bebés foram baptizados, antes de uma acção de campanha.

O célebre marqueteiro Nizan Guanaes disse de Aécio que combinava o jogo de cintura do seu avô Tancredo e o charme de outro político mineiro, Juscelino Kubitschek, o “pai” da capital federal Brasília e que tal como os dois Neves, também foi governador do estado de Minas Gerais. Nos comícios de campanha, Aécio costuma citar frases dos dois, com voz solene e pose de estadista. Também como eles, gosta de apregoar que a política deve ser feita com alegria, efusividade e bom-humor.

Mas como já admitiu, a política não é algo de que precise para “viver e ser feliz”. É, nas suas palavras, “desgastante, “muito chata”, “um saco”. “Se eu não ganhar as eleições, e pode ser que isso aconteça, vai ser muito bom para mim do ponto de vista pessoal”, desabafou.

Recorrendo à sabedoria de Neném Prancha, roupeiro do Botagofo e figura incontornável do futebol de praia carioca, o colunista Luiz Fernando Vianna escrevia, no final de Setembro, que o problema eleitoral do candidato tucano advinha do facto de nunca ter demonstrado uma verdadeira gana de vitória. “Jogador de futebol tem que ir na bola com a mesma disposição com que vai num prato de comida: com fome”, aconselhava Prancha – Dilma e Marina estão na campanha com fome, comparava o colunista, que denotava em Aécio uma satisfação “com o muito que já tem”. “Prato de comida, para ele, é dos restaurantes de luxo que frequenta no Rio”, dizia, justificando assim as dificuldades em impor-se na corrida e assegurar a disputa da segunda volta.

Um dos maiores insucessos de Aécio durante a campanha foi nunca ter conseguido descolar dessa imagem de privilégio, do seu estilo de vida boémia, que na actual conjuntura não motiva os brasileiros. Além disso, a sua campanha teve de combater vários boatos e ataques de carácter mais ou menos encapotados, rebatendo as informações relativas a um suposto vício de cocaína ou a uma predilecção por mulheres muito mais jovens. O candidato, que reconheceu ter experimentado marijuana aos 18 anos, desmentiu o consumo de cocaína e responsabilizou o “submundo da internet” por uma campanha de difamações e assassínio de carácter.

“Fui jovem, gosto de mulher, mas nunca fiz nada incompatível com minhas funções públicas”, garantiu o candidato numa conversa com colaboradores e empresários seus apoiantes. No perfil da revista Piauí, o baiano António Imbassahy, vice líder do PSDB na Câmara de Deputados, diz que “ele é o campeão número 1 nesta arte, a sacanagem de agradar” – porém, a referência não tinha a ver com a (atribulada) vida sentimental do candidato, mas com as suas competências e aptidões políticas, nomeadamente a habilidade para encontrar consensos.

Um dos maiores sucessos de Aécio nesta campanha foi ter conseguido cozinhar acordos e alianças políticas regionais, e montar uma coligação ampla que lhe garante uma vantagem nos palanques na segunda volta (se chegar até lá). Não é uma conquista de somenos, principalmente sabendo que a aliança fundamental que Aécio precisou de firmar foi com o seu próprio PSDB, dividido entre a facção mineira e a paulista, para conter a sabotagem interna. Nessa contenda, o grande ideólogo do partido, Fernando Henrique Cardoso, atravessou-se pelo mineiro, para ele o rosto da renovação geracional do PSDB. “Politicamente o Aécio é fortíssimo. Pode ser menos preparado que o Serra, mas é popularíssimo”, antecipava FHC numa entrevista de 2007 (nas últimas eleições, o partido voltou a apostar em José Serra).

No último debate televisivo entre os candidatos, Aécio revelou a tal faceta política em todo o seu esplendor. Confiante, seguro, simpático mas incisivo, claro e convicto na explicação dos seus argumentos e críticas. “Ele saiu-se bem, com desenvoltura”, considerou o cientista político Ricardo Ismael, num comentário à BBC. A imprensa brasileira identificou a sua marca na prestação dos candidatos nanicos (que representam menos de 1% do eleitorado), que assumiram um papel “coadjuvante” da candidatura de Aécio. “Só se preocuparam em ajeitar a bola para o candidato do PSDB rematar”, reparou o comentador Ricardo Kotscho. Mas voltando à metáfora futebolística, Aécio “não marcou nenhum golo”, concluiu Ismael.

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