"A gente quer provocar mas nunca agradar", diz a nova geração do cinema do Brasil

Num ano em que dois filmes viraram os holofotes de Locarno para o Brasil, quatro cineastas do país irmão falam de uma geração criada com Glauber Rocha e a Internet

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Luiz Pretti
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Ricardo Pretti
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Pedro Diogenes
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Gabriel Mascaro
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Com os Punhos Serrados
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Ventos de Agosto

"O cinema não tem pátria nem nacionalidade, é uma pátria em si. Antes de pertencer ao Brasil, eu pertenço ao cinema." Nas palavras de Luiz Pretti, um dos integrantes do colectivo de produção Alumbramento, resume-se a cinefilia de uma nova geração de cineastas brasileiros a que o festival de Locarno deu voz este ano.

Pretti, o seu irmão Ricardo e Pedro Diógenes assinam a três o filme-panfleto Com os Punhos Cerrados, apresentado fora de concurso, e Ricardo Pretti é igualmente o montador de Ventos de Agosto, de Gabriel Mascaro, um dos filmes mais notados da selecção competitiva deste ano.

 Em comum, serem filmes produzidos "com poucos recursos", quase em jeito de carolice - "quem trabalha connosco são pessoas que acreditam no nosso trabalho, naquilo que estamos a fazer, e vão formando uma rede", diz ao PÚBLICO Luiz Pretti, sentado numa das mesas improvisadas do centro de imprensa do festival, ladeado pelos seus três colegas presentes em Locarno. "Juntar pessoas dá uma força maior."  Não por acaso, Com os Punhos Cerrados contou igualmente com a contribuição de uma série de nomes ligados à actual "nova vaga" desta produção ambientada fora dos centros urbanos do Rio e São Paulo: o director de fotografia é Ivo Lopes Araújo (Girimunho, de Helvécio Marins), a montadora Clarissa Campolina, uma das integrantes do colectivo Teia (Acácio, de Marília Rocha). A relação de amizade e entre-ajuda entre todos é definida como "uma esfera familiar" mais do que profissional, recusando quaisquer estratégias comerciais ou de "business"

Todos pertencem a uma geração que parece estar a dar um novo impulso ao cinema brasileiro, que tem como pontas-de-lança Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor) ou Esmir Filho (Os Famosos e os Duendes da Morte), os dois únicos filmes que chegaram, fugazmente, ao circuito comercial português. E é uma geração que reivindica abertamente a herança do Cinema Novo da década de 1960, que teve Glauber Rocha como figura maior e central. Nas palavras de Pedro Diógenes, "a nossa geração aprendeu a gostar de cinema com o Cinema Novo - o Glauber Rocha sobretudo do final da carreira, da Idade da Terra ou do Câncer, mas também o cinema marginal dessa época, de Rogério Sganzerla, Júlio Bressane ou Carlos Reichenbach."

 Luiz Pretti interjecta, contudo, que essa não é a sua única referência. "A gente foi criada também com a internet, a baixar filmes - vimos o filme de Glauber Rocha mas também o filme do cara de Taiwan ou da Tailândia, e somos influenciados da mesma forma. A possibilidade de ver filmes do mundo inteiro acabou diminuindo essa distância." Gabriel Mascaro, realizador de Ventos de Agosto anui. "A música e o cinema que nos influenciaram são internacionalistas, não estão preocupadas com um resgate identitário preciso. Se os nossos filmes têm uma identidade comum, é porque estamos vivos e vivendo nesse lugar, mas abertos para o mundo."

Nesse aspecto, estes são cineastas que invocam os ensinamentos tropicalistas da miscigenação entre a alta e a baixa cultura, herdados eles próprios do modernismo brasileiro. Para Com os Punhos Cerrados, sobre uma estação de rádio pirata que incomoda as autoridades de Fortaleza, os irmãos Pretti e Diógenes evocam Volume no Máximo, filme dos anos 1990 de Allan Moyle, com Christian Slater - "um filme bem pop com esse carácter de insurreição romântica" - mas também os filmes políticos da década de 1960 (como os do colectivo Dziga Vertov, onde pontuava Jean-Luc Godard) ou o cinema de John Carpenter. Gabriel Mascaro diz que uma das suas inspirações para Ventos de Agosto, história de dois adolescentes em transição para a idade adulta no Pernambuco profundo, foi o documentarista holandês Joris Ivens, embora prefira abrir-se àquilo que os outros vêem no seu cinema do que limitar a interpretação dos espectadores.

Mas, em nenhum dos casos, são estes filmes "difíceis" ou "alienantes" - é cinema de autor que não quer ficar fechado em si mesmo e prefere falar com as pessoas, o que consideram ser algo de muito típico do Brasil. "O brasileiro gosta de comunicar", diz entre risos Ricardo Pretti, para dizer que o importante é fazer cinema que fale às pessoas sem condescender. "A gente quer provocar, seduzir, mas nunca agradar." E o facto dos seus filmes não terem praticamente hipótese de entrar nos circuitos de exibição tradicionais não os preocupa por aí além - como Gabriel Mascaro brinca com os amigos, "se os Punhos Cerrados entram no site da Mídia NINJA então vai chegar facilmente nos cinco milhões de visualizações e vira blockbuster".

Para Ricardo Pretti, os filmes produzidos colectivamente pela Alumbramento têm conseguido um retorno muito maior através de meios alternativos de exibição, como a edição em DVD ou a passagem nas televisões, do que através da estreia convencional. E Mascaro sublinha a ironia: "é mais fácil termos acesso a um festival tão importante como o de Locarno do que chegar ao público brasileiro. Mas temos os nossos filmes aqui sem ter de abrir concessões."

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