O próximo governo do PS

Apesar da desilusão que os espera, muitos milhares de portugueses irão depositar a sua atenção, senão mesmo a sua confiança, neste futuro governo do PS.

À medida que o tempo passa as diferenças entre A. Costa e A. J. Seguro vão-se esbatendo. Este último, enquanto secretário-geral, fez uma oposição colada ao memorando da troika e aos compromissos com a direita, o que lhe valeu a desconfiança e a ruptura com Mário Soares e outros sectores críticos. Esse perfil de Seguro deixou o PS sem distinção clara face ao Governo PSD/CDS e os resultados das europeias demonstraram isso mesmo: a maioria dos eleitores não reconheceu o PS como uma verdadeira alternativa.

A entrada em cena de Costa destinou-se, num primeiro momento, a aproveitar esta fraqueza, tirando partido da insatisfação global com o desempenho eleitoral do PS e procurando cavalgar a colagem das várias personalidades supostamente conotadas com a esquerda do partido que rapidamente o apoiaram. Mas ele sabe que não poderia sustentar convincentemente esta postura à “esquerda” durante muito tempo, por isso refugiou-se na apresentação de listas de apoiantes, de grandes linhas de um projecto nacional que passaria pela concertação com os parceiros sociais, pela renegociação do Tratado Orçamental juntamente com outros países periféricos e por uma promessa de governação que não faria alianças nem à direita nem à esquerda (isto é, procurando obter uma maioria absoluta para navegar à vista).

Seguro, por sua vez, acossado pelos maus resultados e pela concorrência do rival, deslizou para promessas de alianças e de governação à esquerda (vejam-se declarações nesse sentido do seu braço-direito Alberto Martins), de renegociação da dívida e de reposição de pensões e salários, uma das principais reivindicações das lutas de rua. O resultado de tudo isto é uma aproximação entre os dois candidatos a primeiro-ministro, alicerçada num programa de intenção vagamente social-democrata constrangido pelos compromissos da austeridade que fatalmente ambos se prontificam a aceitar (veja-se, a este propósito, excelente artigo “As esquerdas e o PS pós-directas” de J. Bateira). E não há dúvida que Costa está mais bem colocado para encabeçar este projecto.

Apesar da desilusão que os espera muitos milhares de portugueses irão depositar a sua atenção, senão mesmo a sua confiança, neste futuro governo do PS esperando que ele acabe com a actual política de austeridade, defenda o Estado social, estimule a criação de emprego e reponha as perdas sofridas. Dito isto, subsiste uma questão-chave com grandes implicações para o futuro da esquerda – será que este tipo de decepção é idêntico ao que experimentaram muitos trabalhadores perante o Governo de Passos Coelho quando ele declarou a intenção de ir para além do memorando da troika impondo sacrifícios sem precedentes?

Dito de outra forma. As consequências da negação e da imposição da austeridade por um governo do PSD/CDS serão exactamente as mesmas, em termos políticos e da diferenciação da consciência de largas massas de cidadãos, se essa mesma negação e austeridade forem adoptadas por um governo do PS (porventura, neste caso, em doses mais suaves) eleito com a promessa de acabar com elas?

Ninguém pode responder afirmativamente a esta pergunta. Por isso, é preciso encontrar as componentes fundamentais de uma Carta Contra a Austeridade, à semelhança do que aconteceu com o Manifesto dos 74 pela reestruturação da dívida, que possa comprometer e responsabilizar toda a esquerda sem excepção (começando pelo próprio PS) e que assegure a continuidade do diálogo com esse grande número de descontentes que o próximo governo do PS irá certamente criar. Esta é a grande prioridade do momento.

Professor da Universidade de Coimbra

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