Primeiro telescópio transcontinental está em contagem decrescente

As antenas espalhar-se-ão por dois continentes, África e Oceânia. A fase final de concepção da engenharia arranca agora; em 2016 começará a construção deste projecto de quase 2000 milhões de euros.

Foto
Imagem artística de algumas das antenas do radiotelescópio SKA DR

Vai ser o maior radiotelescópio alguma vez construído, com antenas espalhadas pela Austrália, Nova Zelândia, África do Sul e Moçambique. A construção das infra-estruturas começará em 2016 – até lá, decorrerá a fase final de concepção da engenharia, que esta sexta-feira dá o pontapé de saída oficial. Enquanto país, Portugal não tornou público se vai entrar no projecto, ainda que no telescópio participe um consórcio português que reúne o meio académico e industrial.

O Square Kilometre Array (SKA) será o primeiro telescópio transcontinental. Terá qualquer coisa como 3000 antenas parabólicas e agregados de pequenas antenas para captar as ondas rádio do Universo, ligadas por fibra óptica, cujo comprimento total será duas vezes o diâmetro da Terra. Unido virtualmente como se fosse uma antena gigante com uma área de um quilómetro quadrado, todo este conjunto de antenas transcontinentais irá varrer o céu de forma 10.000 vezes mais rápida do que qualquer outro tipo de telescópio e com uma sensibilidade 50 vezes maior do que qualquer outro radiotelescópio.

Se num planeta a 50 anos-luz de distância da Terra existisse um radar a emitir ondas rádio, ou outro aparelho, como um televisor, o SKA seria capaz de detectá-los. “Se houver uma civilização inteligente que tenha o [programa televisivo] Big Brother ou documentários como os da National Geographic ou da nova série do Cosmos, aqui na Terra seríamos capazes de os detectar”, diz ao PÚBLICO Domingos Barbosa, investigador do Instituto de Telecomunicações na Universidade de Aveiro.

O SKA gerará um tráfego de dados que será cerca de 100 vezes maior do que a Internet hoje, que será processado por um supercomputador. Em 2024, deverá estar construído, altura em que este grande projecto científico internacional, de cerca de 2000 milhões de euros, começará a aprofundar o estudo das origens do Universo.

De Portugal, o gigantesco radiotelescópio conta, por enquanto, com a participação de um consórcio. Liderado pelo Instituto de Telecomunicações na Universidade de Aveiro, o consórcio português é formado, a nível académico, pelas universidades do Porto e de Coimbra e pelo Instituto Politécnico de Beja e, a nível industrial, pela Martifer Solar, a Critical Software, a Active Space Technologies, a LC Technologies, a Lógica EM, a Portugal Telecom e a Coriant.

Como país, Portugal não revelou publicamente o que fará, pelo que o consórcio português participa a título individual. “Não há ainda decisão oficial”, diz Domingos Barbosa, que coordena o consórcio, acrescentando que, no entanto, esta participação lidera algumas das “tarefas importantes” do telescópio.

“Precisamos que Portugal manifeste o seu interesse formal em participar; ainda não tenho conhecimento de que o tenha feito. As empresas [portuguesas] já lá estão [no projecto], podem é ficar numa posição mais fortalecida ou não conforme as instituições do Governo – a Fundação para a Ciência e a Tecnologia – participem ou não formalmente.”

Portugueses na nergia e nas comunicações

O SKA será o maior programa mundial de inovação, seja nas suas áreas científicas do SKA, seja na engenharia necessária para o concretizar, sublinha, num comunicado da Universidade de Aveiro, Domingos Barbosa.

“O SKA irá possuir um dos maiores supercomputadores do mundo, cujo centro vai produzir mais informação por segundo do que toda a Internet. Os desafios do ponto de vista da engenharia computacional, de materiais, da energia e da monitorização são verdadeiramente enormes”, acrescenta o investigador.

O consórcio português tem a seu cargo, segundo o comunicado da Universidade de Aveiro, a definição de aspectos considerados vitais para o radiotelescópio, como seja a inclusão de tecnologias de energia solar e de redes de energia inteligentes (SmartGrid), assim como de comunicações e processamentos avançados suportados por sistemas de computação em nuvem.

Agora está a entrar-se na etapa anterior à construção propriamente dita (fase de pré-construção, como lhe chama equipa do radiotelescópio): nos próximos três anos irá definir-se a “engenharia do design final, tendo em conta as recomendações científicas”, explica Domingos Barbosa. “No fim, deverá estar pronto o design do SKA e o caderno de encargos industrial. Quem não estiver nesta fase, fica de fora a seguir, na construção”, diz o investigador referindo-se à participação dos países.

Quanto custa a entrada de Portugal na fase pré-construção? “Um milhão de euros para os três anos”, responde Domingos Barbosa. “Toda a fase de pré-construção custa um milhão de euros por país.” Já a quota a pagar para que os cientistas portugueses depois utilizem o telescópio ainda está em negociação. “Entrado cedo no projecto, na fase da pré-construção, os valores [um milhão de euros e depois a quota] podem voltar quase todos para Portugal como retorno industrial.”

Seja como for, no Alentejo, em Moura, já está a construir-se um centro experimental – com seis milhões de euros atribuídos pela Comissão Europeia –, onde irão testar-se tecnologias inovadoras na área da energia solar para aplicar no SKA. Isolada de ondas rádio emitidas por instrumentos humanos e com um clima semelhante ao da África do Sul e da Austrália, considerou-se Moura um bom local para estes testes preliminares. Aliás, a 14 de Novembro, na China, haverá um workshop dedicado a essas tecnologias e porquê testá-las em Moura.

Com este gigantesco radiotelescópio, os cientistas pretendem observar as primeiras galáxias formadas no Universo, mapear fenómenos violentos como buracos negros e supernovas (explosões de estrelas moribundas) ou detectar moléculas orgânicas precursoras de vida em sistemas planetários distantes. Em poucas palavras, aprofundar o nosso olhar sobre o imenso Universo, nascido há 13.800 milhões de anos. “Em dois anos, o SKA conseguirá rastrear mais de 1000 milhões de galáxias.”
 
 
 

Sugerir correcção
Comentar