Se Breivik não é louco, podemos pedir contas aos que o inspiraram?

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Anders Breivik recebeu a pena de prisão efectiva que desejava por ter morto 77 pessoas, em Julho de 2011 AFP

Anders Behring Breivik estava são mentalmente quando atacou edifícios do Governo em Oslo e um acampamento da juventude do Partido Trabalhista norueguês na ilha de Utoya, no ano passado, matando 77 pessoas, considerou o tribunal. Não foi por loucura que cometeu os actos que confessou de bom grado e que classificou como "cruéis, mas necessários".

Foi sexta-feira condenado à pena máxima: 21 anos de prisão, com possibilidade de extensão da pena indefinidamente, se for considerado um perigo para a sociedade. Breivik recebeu a condenação com um sorriso de quem se considera vingado - e uma saudação marcial de punho erguido. A quem se dirigia ele?

Não se descobriram cúmplices de Breivik. Mas o assassino de Oslo não estava sozinho. Ele fez questão de o demonstrar, ao enviar o seu manifesto a 1003 figuras da extrema-direita e do novo populismo europeu, que fizeram dos imigrantes muçulmanos o novo inimigo - o inimigo já não é racial, é cultural. Neste documento de 1518 páginas faz um imenso corta-e-cola de artigos e ideias de escritores e bloggers que consideram que a Europa está sob o julgo islâmico e que é preciso ripostar contra os estragos do multiculturalismo, das cedências que os políticos europeus têm feito, pelo menos desde a década de 1970, para acomodar os interesses do inimigo numa trégua malsã.

Estas ideias da contra-jihad ganharam embalo após os ataques do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos. Apesar de Breivik ter citado e elogiado os ideólogos deste movimento no seu manifesto - como os bloggers americanos Pamella Geller (grande motor da oposição à construção de um centro de interpretação islâmica na área do Ground Zero em Nova Iorque, com o blogue Atlas Shrugs), Robert Spencer (Jihad Watch) e o norueguês Fjordmann, ou a escritora britânica que vive na Suíça Bat Ye"Or, que desenvolveu o conceito de Eurábia, central para o movimento da contra-jihad -, estes esforçaram-se por sublinhar que nunca fizeram incitamentos à violência.

Mas as suas ideias enformaram o pensamento que conduziu Breivik à acção, contra o seu próprio Governo, e contra jovens do partido no poder. Os ideólogos da contra-jihad, ou as suas ideias, foram os grandes ausentes do julgamento do norueguês.

Eurábia

O movimento da contra-jihad "nasceu nos Estados Unidos da América e foi exportado para a Europa Ocidental. É de inspiração neoconservadora, mesmo que muitos dos seus adeptos sejam verdadeiramente de extrema-direita", explica o politólogo francês especialista em extremismos Jean-Yves Camus, investigador associado do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas. "As suas ideias centrais são que o islão não é uma religião, mas um projecto político totalitário, o que implica que não possa existir um islão "moderado", e que o islão tem por objectivo a subjugação do mundo não muçulmano pela jihad, tanto armada como ideológica. Daí a necessidade de os ocidentais praticarem uma contra-jihad para defenderem a civilização "judaico-cristã", e a necessidade de se proibir a prática do islão e da imigração muçulmana", disse ao PÚBLICO, por email.

Estas foram as ideias expostas por Breivik. A esta visão da Europa ameaçada não falta o gosto do complot, através da teoria da Eurábia de Bat Ye"Or (pseudónimo de Gisèle Littmann), "que analisa a História contemporânea pelo prisma de uma mítica aliança conspiracionista a favor do islão político", diz Nicolas Lebourg, perito em extrema-direita da Universidade de Perpignan (França). "A ideia da Eurábia é a de que a Europa se submeteu voluntariamente ao islão, não só aceitando acolher imigrantes muçulmanos, mas também por privilegiar uma política de diálogo social e diplomático com o mundo árabe e muçulmano. É uma teoria da conspiração", clarifica Camus.

Segundo reza a teoria, os líderes da União Europeia começaram a vender a Europa ao mundo árabe na década de 1970, aquando da primeira crise do petróleo - e a França é especialmente demonizada. "Os teóricos anglo-saxónicos da Eurábia estigmatizam a França porque tem uma política para o mundo árabe independente e porque não participou na guerra do Iraque", explica Camus. "Esquecem-se evidentemente de que a política da França é ditada pela geografia e a História das suas relações com as antigas colónias."

As provas da submissão estão à nossa volta, escrevem estes autores, que fazem da Internet o seu palco privilegiado. Ainda que os dados não corroborem estes argumentos, gostam de falar de demografia: "Dizem que estamos a viver numa colónia árabe, que os muçulmanos querem fazer da Europa um continente islâmico, que ao terem tantos filhos vão sobrepor-se aos europeus, vão obrigar as mulheres todas a usar niqab [véu que cobre parte do rosto]", diz Liz Fekete, do think tank britânico Institute for Race Relations.

A nova geração de direita

Muitas das estrelas da contra-jihad são americanas, ligadas à extrema-direita israelita. "Israel é visto como um último bastião da luta pelos valores da civilização ocidental", sublinha Liz Fekete. Mas estão a estabelecer elos com ideólogos na Europa, que não são os suspeitos do costume, como a família Le Pen em França. "Há uma nova geração de direita, conservadores culturais que não são necessariamente inspirados pela ideologia nazi ou fascista, mas que acreditam na preeminência da civilização ocidental e são hostis à igualdade entre as religiões ou culturas", explica. Nas palavras de Breivik, esta é a luta contra os "marxistas culturais" e o feminismo.

Pamella Geller e Robert Spencer têm-se destacado no estabelecimento de contactos com a Liga de Defesa Inglesa e outras organizações e com ideólogos nórdicos, para criar associações transatlânticas. A Suécia tem sido o palco para fazer as reuniões agregadoras. Estão a dar corpo a um movimento que, diz Liz Fekete, até agora, tem sido essencialmente virtual. "Se Breivik é louco ou não, nem é o que interessa; o importante é que as ideias que expressou circulam todos os dias na Internet. Podemos dizer que as pessoas psicóticas vêem as suas ideias constantemente confirmadas nestes sites, por vezes com links para sítios respeitáveis nos seus países, sentem-se encorajadas. Será o que aconteceu com Breivik."

Será então possível pedir contas aos os autores deste discurso da contra-jihad, ou impor limites à liberdade de expressão seria um tiro no próprio pé para as sociedades democráticas em que gostamos de dizer que vivemos? "Claro que podemos reprimir as incitações à violência. Mas pensar que resolveríamos os problemas reprimindo as opiniões é uma ilusão", responde Nicolas Lebourg. "Não defendo que se proíba a liberdade de expressão", começa por dizer Fekete. "Mas em todos os países há leis contra o incitamento ao ódio racial ou à violência. Em muitos casos estas pessoas violam a lei diariamente com aquilo que dizem na Internet. Quando a lei é violada, temos de a fazer cumprir."

Há duas leituras possíveis sobre o que fazer, no imediato. Nicolas Lebourg centra-se no diagnóstico: "A islamofobia fala-nos dos bairros islamizados, de mundos sem referências. A realidade social descrita não tem muita relação com o islão, mas antes com a sociedade pós-moderna. A islamofobia dá-nos uma chave de compreensão. É um mito mobilizador que permite reinventar um "nós" positivo face a um "eles" demonizado. São questões sociais, políticas."

Quanto a Liz Fekete, fala de prevenção para evitar novos desastres: "Temos de compreender que o extremismo aumentou, porque a Europa contribuiu para uma situação de guerra durante vários anos. Precisamos de dar passos urgentes para o travar, ou vamos ver acontecer mais coisas horríveis como na Noruega."

Notícia corrigida às 15h10

O texto referia que os ataques do 11 de Setembro tinham ocorrido em 2011


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