Tribunal chumbou concessão no Porto de Aveiro realizada sem concurso público

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Porto de Aveiro garante que tem mais áreas disponíveis para privados Foto: Adriano Miranda

A empresa Socarpor, que agora integra o grupo Mota-Engil, já investiu 24 milhões de euros na construção de armazém para movimentar produtos agro-alimentares.

O grupo Mota-Engil investiu 24 milhões de euros na construção de um armazém de produtos agro-alimentares no Porto de Aveiro, mas esta infra-estrutura tem por base um contrato de concessão que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro acaba de declarar nulo, sustentando a decisão no facto de não ter existido concurso público.

Os factos remontam a 2006, um ano antes de a Mota-Engil ter adquirido o grupo Tertir, de que fazia parte a Socarpor. Foi esta empresa, licenciada para movimentar cargas, que fez o pedido de concessão de uma parcela para "a construção e exploração, no terminal de granéis sólidos do Porto de Aveiro, de uma infra-estrutura portuária adequada ao movimento de produtos agro-alimentares, composto de equipamentos de descarga (...) e respectivo armazenamento".A Administração do Porto de Aveiro (APA), empresa de capitais integralmente públicos, aceitou o pedido e concessionou directamente à Socarpor, sem concurso público, uma área de cerca de 20.250 metros quadrados. A concessão foi feita pelo período de 20 anos, prorrogável por mais cinco. Na acção apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro por duas empresas concorrentes da Socarpor - a TCGL, Terminal de Carga Geral e de Granéis de Leixões, e a Aveipor, Operadora Portuária de Aveiro - era pedida a nulidade do contrato de concessão, sustentando-se que não está em causa apenas uma cedência de área para uso privativo, mas sim uma verdadeira concessão de operação portuária, o que obrigaria a um concurso público. Nos autos, a APA e a Socarpor contestam tal interpretação, sustentando que estava apenas em causa uma concessão de uma área para uso privativo. A APA sustentava ainda ter competência legal para fazer, sem concurso, a respectiva concessão.

Violação das normas

A sentença refere, no entanto, que "ocorrendo, nos termos supradecididos, as invocadas causas de inviabilidade do contrato aqui em causa - consistentes na violação do disposto nos artigos 27º do Regime de Operações Portuárias (...), por preterição de prévio procedimento de concurso público - tal conduz à anulidade do contrato". Impõe-se, por isso, diz o tribunal, "a anulação do dito contrato, com tais fundamentos, com todos os efeitos legais".

Contactado pelo PÚBLICO, o grupo Mota-Engil recusou-se a prestar qualquer esclarecimento sobre a sentença, datada de 30 de Dezembro de 2011. Já o presidente da Administração do Porto de Aveiro, José Luís Cacho, em declarações ao PÚBLICO, garantiu que "os serviços jurídicos vão analisar a decisão do tribunal e só depois serão decididas as acções a tomar no sentido de salvaguardar os interesses da empresa" a que preside. José Luís Cacho rejeita, todavia, que tenha existido qualquer favorecimento na concessão à empresa que agora integra o grupo Mota-Engil.O presidente da APA contesta ainda que houvesse necessidade de concurso público, sustentando essa decisão no facto de "não estar em causa uma concessão de uso público, mas sim de uso privativo". José Luís Cacho admite, no entanto, que poderia ser admissível a exigência de concurso público em duas situações. A primeira, se o Porto de Aveiro não tivesse mais área disponível", o que garante não ser o caso. O responsável adianta mesmo que a infra-estrutura portuária "dispõe de extensas áreas desocupadas". A segunda, se outra ou outras empresas tivessem manifestado interesse pela mesma área.

O presidente da Administração do Porto de Aveiro garante que a empresa paga as taxas fixadas na tabela para aquele tipo de concessão privativa e que, em teoria, o valor só seria mais elevado, se, em concurso, houvesse licitação entre vários interessados.

O pedido de nulidade do contrato foi feito pela TCGL e pela Aveipor, duas empresas do grupo ETE, que, juntamente com a Mota-Engil, são os grandes players do movimento de carga nos portos nacionais. O PÚBLICO contactou a TCGL, mas a administração da empresa não se mostrou disponível para comentar a decisão.

A sentença do Tribunal de Aveiro é recorrível para as instâncias superiores - o Tribunal Central Administrativo e Supremo Tribunal -, possibilidade que as duas entidades visadas, a Socarpor e a APA, deverão esgotar. Num hipotético cenário de manutenção da sentença de primeira instância, o contrato seria anulado, podendo haver lugar, por parte do grupo Mota-Engil, a um pedido de indemnização pelos gastos incorridos.

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