“BCE é a única instituição com capacidade para aplacar” a especulação
Face à insuficiência de financiamento do FEEF para "resgatar" o estado italiano, o BCE é a única instituição com capacidade para aplacar a especulação financeira e reduzir as taxas de juro cobradas aos países periféricos. Para isso, terá que comprar, de forma ilimitada, dívida pública periférica, actuando como "
lender-of-last-resort
" e monetarizando, de facto, a dívida pública.
Estes diferentes cenários são analisados no mais recente relatório do Research on Money and Finance: "Breaking up? A route out of the eurozone crisis". Desde meados de 2010, o BCE tem adquirido dívida soberana nos mercados secundários, totalizando 160 mil milhões de euros até Setembro deste ano.
No entanto, este programa é limitado, na medida em que estas operações têm que ser "esterilizadas" – a liquidez criada pela compra de dívida é obrigatoriamente compensada por depósitos a termo fixo oferecidos pelo BCE a taxas de juro acima das praticadas no mercado. Assim, o BCE consegue controlar a massa monetária na zona euro, variável que, na sua óptica monetarista, determina a inflação, cujo controlo está estatutariamente inscrito como o principal objectivo da sua actuação (em detrimento do crescimento económico e da estabilidade financeira).
A compra ilimitada de dívida apresenta-se como única maneira de resolver a actual turbulência. No entanto, existem alguns constrangimentos a este tipo de actuação. O primeiro, já assinalado, é legal e diz respeito aos seus estatutos. Embora seja muito discutível que tal programa tivesse efeitos inflacionistas - sobretudo num período recessivo em que os bancos receiam conceder crédito ao outros bancos e ao resto da economia -, a obsessão coma inflação do BCE teria de ser revertida radicalmente. O segundo problema é político. Embora o BCE seja independente do poder político, é notório que a sua actuação é profundamente influenciada pelos ditames alemães. Tal nova política teria que ter a "luz verde" de um poder político alemão obcecado com a importância de deter uma moeda forte, aceite como reserva internacional. O terceiro problema está na concepção deficiente do BCE enquanto banco central sem um Estado e um orçamento que garantam as suas
operações. Este tipo de operações implicaria um crescimento exponencial do seu balanço, o que, por sua vez, implicaria uma recapitalização feita pelos Estados da zona euro. Por outro lado, o "default" de Estados insolventes como o grego e, provavelmente, o português, implicariam a absorção de perdas por parte do BCE. Sem um orçamento federal, seriam os estados nacionais a contribuir, novamente, para a recapitalização do BCE.
Resumindo, o BCE serviria de instrumento de transferências orçamentais, mais ou menos escondidas, entre Estados da zona euro, um papel que o centro não parece estar disposto a assumir.
Quanto à cedência de liquidez à banca sem necessidade de colateral ou à garantia do FEEF, os problemas acima mencionados seriam repetidos. O risco de falência da banca seria transferido dos Estados nacionais (como acontece hoje) para uma instância europeia sem recursos próprios. O Estado alemão estaria na prática a garantir a banca grega.
Até agora, o BCE tem mostrado uma forte reticência em assumir este papel. Em especial, do lado da Alemanha há uma oposição clara. É uma posição inalterável?Não é inalterável. Os custos da desagregação da zona euro são elevados para o sistema financeiro alemão. Contudo, não subestimo as dinâmicas político-económicas míopes com resultados imprevisíveis. A história está cheia delas.