Estado falha venda do BPN e avança com nacionalização

Após várias semanas a garantirem que o sistema bancário nacional estava a resistir à crise financeira mundial, o ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal (BdP) anunciaram ontem a nacionalização do Banco Português de Negócios (BPN) e a assunção da sua gestão pela Caixa Geral de Depósitos.

Com uma justificação partilhada: a crise não derrubou o banco, mas pôs a nu uma gestão de "legalidade duvidosa" de administrações anteriores, traduzida num buraco líquido que se estima, para já, entre 240 a 300 milhões de euros.

A decisão segue-se, segundo Teixeira dos Santos, a uma tentativa falhada de venda do banco de retalho. O PÚBLICO apurou que houve negociações, nos últimos dias, com os quatro maiores bancos nacionais e entidades estrangeiras. Também o Estado recusou financiar uma proposta de viabilização da entidade apresentada recentemente pelo seu actual presidente, Miguel Cadilhe.

O banco, que conta com um volume de depósitos de cerca de 4,5 mil milhões de euros, encontrava-se nos últimos dias em "situação iminente de ruptura de pagamentos", referiu o ministro das Finanças. Quem acompanha o processo garante também que o BPN estava a ser alvo de uma "hemorragia lenta" nos seus depósitos, por parte de empresas e institucionais.

Banco de Portugal e ministério responderam que "não há sistemas de supervisão infalíveis", assegurando também que não há qualquer outro processo semelhante na banca portuguesa em curso.

Desde que chegou à presidência do BPN, em Junho passado, Miguel Cadilhe avançou com um plano de recuperação do banco, que previa um aumento de capital em três tranches e a venda de activos. Mas o plano não correu como esperado, face à crise do mercado financeiro. Cadilhe falhou a segunda tranche do aumento de capital, prevista para a semana passada, e ainda propôs que o Estado comprasse 600 milhões de euros de acções preferenciais sem voto, equivalentes a mais de 50 por cento do capital. O ministro rejeitou a operação por entender que "tinha um ónus muito pesado sobre os contribuintes" e um "risco muito elevado".

A nacionalização não terá sido concertada com Miguel Cadilhe, que só pouco antes do anúncio terá sido informado. Com a intervenção estatal no banco, que representa dois por cento dos activos do sistema financeiro português e tem perto de 300 balcões, o Governo garante liquidez a todos os clientes.

"Os depósitos estão plenamente seguros a partir deste momento", disse o ministro. O valor das perdas apuradas até agora ascende a 700 milhões de euros, dos quais 180 milhões já constavam das contas do banco, sendo o restante proveniente de um "balcão virtual" por onde passavam operações paralelas, no total de 360 milhões de euros, e só recentemente detectado, e mais 160 milhões de euros calculados através de uma auditoria prestes a finalizar na instituição. A este montante devem ser abatidos 460 milhões de capitais próprios. Como estes valores são estimativas, o intervalo para o buraco líquido previsto actualmente andará, assim, entre 240 e 300 milhões de euros.

Decisão foi acelerada

O Governo assume que o fracasso da segunda tranche do aumento de capital e o anúncio público da investigação da PGR aceleraram a decisão, face ao risco de um efeito de "contágio sistémico".

Na sequência de investigações levadas a cabo pelo BdP sobre sociedades off-shore, o anterior presidente do BPN, Abdul Vakil, forneceu, em Junho, informações consideradas decisivas. Confirmava que o Banco Insular de Cabo Verde pertence ao grupo SLN, que controla o BPN, o que contrariava as garantias dadas inicialmente, "mas mais surpreendente ainda - sublinhou Vítor Constâncio - foi a revelação segundo a qual tinha sido descoberto um conjunto vasto de operações de crédito clandestinas", que não estavam registadas nas contas oficiais, mas sim num "balcão virtual". Estas, apurou o PÚBLICO, estavam instaladas em dois computadores, um deles portátil. Com esta revelação, garante Constâncio, o banco deixou de cumprir os seus rácios de solvabilidade. Sem soluções à vista, a intervenção pública visou "sossegar os depositantes e os credores institucionais". A seguradora do grupo, Real Seguros, não é afectada pela operação.

Com Paulo Ferreira e Rosa Soares

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