Kuwaitianas votam hoje pela primeira vez em eleições históricas

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Dificilmente uma mulher será eleita e é provável que os islamistas saiam reforçados Miguel Madeira/PÚBLICO (arquivo)

Terminada a campanha eleitoral mais agitada de sempre no país, os kuwaitianos elegem hoje um novo Parlamento. As eleições no emirado petrolífero são históricas porque pela primeira vez as mulheres são candidatas e eleitoras, mas também porque ocorrem depois de um movimento sem precedentes de contestação da família reinante em defesa de reformas.

As eleições só estavam previstas para 2007, e esperava-se uma campanha dominada pelo tema que mais fractura a sociedade do emirado - a divisão entre liberais e conservadores que querem ver a lei islâmica adoptada. Mas a agitação dos últimos meses uniu os movimentos de oposição islamistas e reformadores com um mesmo alvo: os Al-Sabah e a corrupção.

À morte do xeque Jaber, em Janeiro, sucedeu-se a primeira destituição por via constitucional de um soberano do Golfo Pérsico. O herdeiro, xeque Saad al-Sabah, estava doente, e os Al-Sabah apoiaram o primeiro-ministro e já homem forte do país, Sabah al-Ahmad al-Sabah, pedindo aos deputados que destituíssem Saad.

Já em Março, o Parlamento adoptou uma nova lei a proibir a detenção de jornalistas e um tribunal autorizou o aparecimento de novos jornais. E, em Abril, as kuwaitianas tiveram um primeiro ensaio, numa eleição municipal para um lugar deixado vago - duas concorreram, nenhuma foi eleita.

Em Maio, o Supremo Tribunal anulou a lei que proibia manifestações sem autorização prévia. Nesse mesmo mês centenas de kuwaitianos saíram à rua em defesa de uma reforma promovida pelo Parlamento para reduzir de 25 a cinco os círculos eleitorais. O Governo quis que a redução parasse nas dez - os deputados exigiram as cinco, argumentando que quanto menos, menores as possibilidades de corrupção.

Numa medida única no país, a oposição quis interrogar oficialmente o primeiro-ministro. Em vez de se submeter à interpelação, Sabah dissolveu o Parlamento e marcou para hoje eleições antecipadas.

A inédita participação activa de mulheres e jovens fez a campanha transbordar das tradicionais tendas para sites de Internet e SMS. No centro do debate esteve a corrupção e as acusações à família reinante de interferência no voto, por vezes num tom raro mesmo no Kuwait, que se orgulha de uma razoável liberdade nos media.

Entre os 253 candidatos, 28 são mulheres, mas a maioria dos analistas estima que nenhuma será eleita, ao mesmo tempo que se espera uma subida dos islamistas.

Segundo o POGAR (programa da ONU que monitoriza a governação nos países árabes), no Parlamento deposto havia 21 islamistas, 15 apoiantes do Governo, três liberais e 12 independentes. Islamistas ou liberais, a oposição poderá sair vencedora e alguns, como o comentador Kemal al-Harami, citado pela Al-Jazira, pensam que o Kuwait "pode estar a entrar num período de instabilidade política".

As dificuldades em ser eleita - exacerbadas pela curta campanha e pelo facto de só serem eleitos dois deputados por círculo - não travaram Fatma al-Muteiri. Divorciada e membro de uma tribo beduína, quer desenvolver a sua região e dar "cidadania aos filhos de mãe kuwaitiana e pai estrangeiro".

Por respeito à tradição, não fez imprimir a sua foto nos cartazes nem participou nas diwaniya (salões de discussão que são o instrumento fundamental de participação cívica), onde se fez representar pelo ex-marido, contou à AFP. Mas como "a ocasião de fazer história só acontece uma vez", não deixou de "abolir as barreiras psicológicas e sociais" e apresentar-se a votos.

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