Evolução é a grande arma do vírus que causa a sida

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Em duas décadas, os tratamentos foram melhorando, mas o vírus continua a furtar-se a todas as tentativas de obter uma vacina dr

Em 1981, os Estados Unidos assinalaram o surgimento dos primeiros casos de uma doença nova que parecia escolher os homossexuais. Dois anos depois, a 20 de Maio de 1983, a revista “Science” publicava um trabalho de investigadores franceses, liderados por Luc Montagnier, do Instituto Pasteur, em que um retrovírus era apontado como a causa da síndrome de imunodeficiência adquirida.

Eram os primeiros passos para a compreensão do agente infeccioso da sida e os cientistas pensavam já em formas de o deter. Mas, passados 20 anos, o HIV continua a furtar-se às tentativas de desenvolver uma vacina, utilizando a evolução como arma.

Quando foi identificado, o vírus responsável pela sida tinha duas designações alternativas: LAV (sigla preferida pelos cientistas franceses, que se referiam a ele como vírus associados a linfoadenopatias) e HTLV-3 (incluindo-o no grupo dos vírus da leucemia das células T humanas). Só mais tarde passou a ser designado em todo o mundo como HIV.

Em 1986, a equipa de Luc Montagnier identificou também um outro tipo de HIV, a partir de amostras de sangue de doentes da Guiné-Bissau, colhidas por investigadores portugueses. A esse tipo, que apenas se encontrava na África Ocidental, passou a chamar-se HIV-2 (ver textos nestas páginas). O HIV-2, no entanto, manteve-se residual. A esmagadora maioria dos 50 milhões de pessoas infectadas até hoje foi contaminada com o HIV-1.

A autoria da descoberta do HIV, no entanto, esteve durante cerca de dez anos envolvida em polémica, porque Robert Gallo, um investigador norte-americano que tinha colaborado com Montagnier, reclamava a primazia da descoberta. Só em 1991 Gallo reconheceu, numa carta à revista “Nature”, que amostras por si analisadas tinham sido contaminadas por um vírus que lhe fora enviado pelo Instituto Pasteur de Paris. Ou seja, o vírus que Gallo “descobriu” não era mais do que uma estirpe do vírus já identificado pela equipa do Pasteur.

Foi em 1987 que foi introduzido o primeiro dos medicamentos que tentava controlar a invasão do sistema imunitário pelo vírus — o agora célebre AZT. Mas foi a partir de 1995, com a introdução de uma nova classe de anti-retrovirais — os inibidores da protease —, que os cientistas desenvolveram os “cocktails” de medicamentos que têm dado bons resultados na contenção da doença.

Mas se a história da descoberta do HIV foi complicada, compreender as armas que o vírus utiliza para invadir as células do sistema imunitário e deprimir de tal modo as defesas do doente que este acaba por morrer por causa de infecções oportunistas, continua a ser um quebra-cabeças para os investigadores.

Quando o HIV foi identificado, a estratégia para desenvolver uma vacina parecia clara: havia que descobrir proteínas do vírus que desencadeassem uma resposta imunitária que conduzisse à produção de anticorpos. Desta forma, o HIV seria neutralizado antes de se estabelecer uma infecção. Mas o vírus muda tanto e a tal velocidade, e há tantas formas diferentes do HIV a infectar os humanos que esta abordagem se torna infrutífera. Era deste tipo a vacina contra a sida que mais avançou em ensaios em humanos, cujos resultados pouco animadores foram revelados em Fevereiro.

Como esta estratégia não resultou, explicava Jon Cohen num artigo noticioso publicado na revista “Science” a 28 de Junho de 2002, os cientistas buscaram outra abordagem. Se evitar a infecção é tão difícil, por que não actuar no momento seguinte, prevenindo a doença. Ou seja, os investigadores estudam formas de reforçar a parte do sistema imunitário que destrói as células já infectadas. Mas, mesmo assim, a extrema velocidade evolutiva do vírus — que está sempre a sofrer mutações, de cada vez que se copia a si próprio — também dá sinais de derrotar esta estratégia.

Para ultrapassar este impasse, os investigadores buscam outras formas de dar a volta ao vírus. Alguns estudos mostram que uma resposta imunitária menos vigorosa, no início da infecção, parece proteger os macacos da espécie “Cercocebus torquatus” do desenvolvimento da doença. “Mais não é necessariamente melhor”, dizia à “Science” Mark Feinberg, da Universidade Emory. Iniciar o tratamento com medicamento anti-retroviral (tenofovir) logo a seguir à infecção também parece ter dado bons resultados em macacos deliberadamente infectados com SIV (a forma que HIV que infecta os macacos).

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