Armando Vara ainda pode demorar meses a ir para a cadeia

Dos 32 arguidos condenados no Face Oculta, a pena já se tornou definitiva para, pelo menos, 21. Destes, 11 deviam ter entregado até Maio entre 2500 e 17.500 euros a instituições de solidariedade para evitar a prisão, mas o tribunal não possui comprovativos de que o tenham feito.

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Adriano Miranda

O ex-ministro socialista Armando Vara ainda pode demorar alguns meses a ir para a cadeia no âmbito do processo Face Oculta, onde irá cumprir uma pena de prisão de cinco anos por três crimes de tráfico de influência.

Dentro de dias, dez anos após o início da investigação ao caso, a condenação de Vara deverá tornar-se definitiva, porque já não há a possibilidade de mais recursos. No entanto, o cumprimento da pena ainda pode demorar a concretizar-se face à complexidade do caso e do tribunal competente, o de Aveiro, não ter acesso físico ao processo, devido à existência de recursos pendentes.

Exemplo disso é o facto de ainda estar em liberdade um arguido do processo, um ex-funcionário da Petrogal, que foi condenado a uma pena de prisão efectiva de cinco anos e nove meses, que se tornou definitiva em Novembro do ano passado, como confirmou ao PÚBLICO o Tribunal de Aveiro. Este será o único dos dez arguidos condenados a prisão efectiva que já não pode ver alterada a sua pena.

Até ao momento não foi emitido o respectivo mandado de detenção do arguido. O Tribunal de Aveiro não quis esclarecer esta questão específica, mas o PÚBLICO apurou que um dos motivos do atraso no cumprimento da pena relaciona-se com o facto de o processo físico não se encontrar em Aveiro, o que impede a juíza que tem competência para emitir os mandados de comprovar o trânsito em julgado da condenação. Isso obrigou a que fossem pedidas ao Tribunal da Relação do Porto cópias certificadas do acórdão que, em Abril do ano passado, confirmou a condenação do ex-funcionário da Petrogal e a informação de que este não contestou essa decisão. 

Só depois de as cópias certificadas chegarem ao Tribunal de Aveiro é que a juíza poderá decidir se há condições para emitir o mandado relativo ao ex-funcionário da Petrogal. É que a magistrada judicial pode entender que tem que ficar a aguardar o desfecho de todos os recursos, já que, aceitando o Tribunal Constitucional alguns dos argumentos invocados pelos arguidos que ainda aguardam decisões daquela instância, tal poderia afectar a validade de todo o processo. E, a acontecer, o que parece muito pouco provável, beneficiaria os outros arguidos.

Recursos pendentes

Quanto ao caso de Vara, no final do mês passado o Tribunal Constitucional recusou-se, pela segunda vez, a analisar os argumentos apresentados pela defesa. Depois, começou a correr um prazo de dez dias para invocar nulidades, que termina em meados deste mês. A defesa de Vara já disse que não pretende usar esse direito.

Mesmo assim, apenas depois de o prazo terminar é que a juíza titular do processo no Constitucional, Fátima Mata-Mouros, poderá confirmar que o processo está fechado nesta instância. Só então o caso descerá ao Tribunal da Relação do Porto, onde o processo se encontra fisicamente e onde foram admitidos os recursos para o Constitucional.

A juíza que está encarregada do caso na Relação do Porto deverá então certificar que a condenação de Vara se tornou definitiva e remeter a decisão ao Tribunal de Aveiro para que a pena seja executada.

Não é claro, no entanto, se a juíza de Aveiro vai considerar que já está em condições de emitir o mandado. E, se entender esperar pelo desfecho de todos os recursos, isso ainda pode demorar muito tempo. É que há arguidos, como Hugo Godinho, sobrinho do empresário do sector das sucatas que está no centro deste processo de corrupção, que já pediram que fosse declarada a prescrição de alguns crimes por que foram condenados, nomeadamente o de perturbação de arrematações, como confirmou ao PÚBLICO o seu advogado, Artur Marques. Se a prescrição for decretada, admite Paulo Brandão, juiz-presidente da comarca de Aveiro, tal vai obrigar a refazer o cúmulo das várias penas aplicadas, determinando uma nova pena única. 

Mesmo que a juíza do Tribunal de Aveiro considere que, com os elementos enviados pela Relação do Porto, está em condições de emitir o mandado para Armando Vara ser conduzido a um estabelecimento prisional, tal nunca deverá acontecer antes do início do próximo ano. Além da normal demora associada ao envio de elementos entre tribunais, a 22 deste mês começam as férias judiciais, que só terminam a 3 de Janeiro.

Multas por cobrar

Segundo informações prestadas no final da semana passada ao PÚBLICO pelo Tribunal de Aveiro, mas reportadas há cerca de mês e meio, as condenações do processo Face Oculta já se tornaram definitivas para 21 dos arguidos, incluindo as duas empresas do empresário Manuel Godinho condenadas a pagar, no total, 242 mil euros em multas. No entanto, as duas sociedades foram entretanto declaradas insolventes, não tendo o Estado ainda conseguido cobrar esse valor.

Das 19 pessoas individuais para quem as condenações já não podem ser alteradas, só uma apanhou uma pena de prisão efectiva, o ex-funcionário da Petrogal, que continua em liberdade. Outros 14 arguidos foram condenados a penas de prisão suspensas com a condição de entregarem montantes que variam entre os 2500 e 17.500 euros a instituições de solidariedade. Destes, 11 já esgotaram o prazo que o tribunal tinha dado para entregarem aquelas verbas.

A maioria viu a condenação tornar-se definitiva há mais de um ano e devia ter entregado o dinheiro às instituições sociais até Maio deste ano. Mas, segundo o Tribunal de Aveiro, em meados de Outubro só dois tinham comprovado no processo que haviam entregado esses montantes: a antiga secretária de Manuel Godinho, Maribel Rodrigues, que avançou com 3000 euros a uma associação da Torreira, e um antigo quadro da Rede Ferroviária Nacional (Refer), Carlos Vasconcellos, que entregou dez mil euros a uma instituição de apoio a reclusos.

O Tribunal de Aveiro também não tinha conhecimento de qualquer pagamento feito por outros dois arguidos condenados a pena de prisão suspensa sob a condição de pagarem indemnizações de 5000 e 7500 euros, um à Refer e outro à Rede Energética Nacional, entidades patronais que lesaram. Mas nestes dois casos os prazos de pagamentos só terminaram no início de Novembro.

O juiz Paulo Brandão explica que estes condenados não vão automaticamente para a cadeia, apesar de não haver prova de que cumpriram a condição imposta para lhes suspender as penas de prisão, que variam entre um ano e três anos e nove meses. “O tribunal terá que verificar se a condição foi cumprida e, se tal não aconteceu, qual é a justificação. No limitepode revogar a suspensão da pena”, esclarece Paulo Brandão.

Há três arguidos que também têm que entregar verbas a instituições e um que está obrigado a pagar uma indemnização à Refer, mas ainda está a decorrer o prazo para os quatro cumprirem a condição que suspende as penas de prisão.

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