Governo recupera medida de Ferreira Leite para aumentar função pública

Afinal há margem. O Governo já mostrou algumas contas aos parceiros da geringonça sobre possíveis aumentos dos salários mais baixos da Administração Pública. Abertura estende-se a pensões e impostos.

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Nuno Ferreira Santos

O Governo já tem, à mesa das negociações para o Orçamento do Estado (OE) para 2019, propostas concretas sobre aumentos para os trabalhadores da Administração Pública que têm níveis salariais mais baixos, apurou o PÚBLICO. Apesar de ter chegado a dizer que não havia margem para que tal acontecesse, o ministro das Finanças já se mostrou afinal aberto a negociar métodos e valores com os parceiros da “geringonça”.

O Bloco de Esquerda, recorde-se, tem vindo a defender um aumento para todos os trabalhadores da Administração Pública acima da inflação, com uma preocupação particular em relação aos salários mais baixos. Já o PCP quer assegurar que o Governo cumpre o sinal de abertura que deu para fazer aumentos, mas a percentagem é matéria para discussão com os sindicatos. João Oliveira disse ao PÚBLICO que "estão em aberto todas as possibilidades, incluindo aumento de salários para todos".

A medida foi mesmo assumida nesta quinta-feira pelo líder parlamentar do PS, Carlos César, e não é inédita na história da função pública. Em 2003 e 2004, quando o PSD estava no Governo e Manuela Ferreira Leite era ministra das Finanças, apenas foram aumentados os funcionários públicos com salários próximos dos mil euros.

Caso o Governo adopte um limite semelhante, apenas serão abrangidos pelos aumentos 35% do total de trabalhadores das administrações públicas (administração central, regional e local). De acordo com os dados publicados pela Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, relativos a Junho de 2018, estão em causa trabalhadores integrados nas carreiras de assistente técnico e de assistente operacional, assim como os bombeiros e os polícias municipais que têm salários inferiores ou próximos de mil euros. Estas carreiras totalizam cerca de 241 mil trabalhadores, do total de 675.320 que compõem as administrações públicas.

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças, mas fonte oficial respondeu que não iria comentar assuntos relacionados com o OE para 2019.

Sócrates aumentou em 2009

No final da reunião da bancada parlamentar socialista, nesta quinta-feira, Carlos César referiu que em 2019, em média, os funcionários públicos terão aumentos na ordem dos 2,9% por via do descongelamento das progressões. Mas também reconheceu que talvez seja possível ir mais longe e aumentar, pelo menos, os níveis salariais mais baixos.

“Pensamos que é possível trabalhar - e estamos a trabalhar - para ver se há também um aumento da remuneração base, pelo menos até a um determinado nível salarial”, afirmou.

Esta foi precisamente a solução adoptada por Ferreira Leite em 2003 e em 2004, quando a preocupação com a consolidação das contas públicas estava na ordem do dia. Na portaria que determinou os aumentos salariais para a função pública em 2003, a ministra das Finanças de Durão Barroso decidiu que o aumento de 1,5% apenas iria beneficiar os salários até 1008,57 euros. .

Em 2004, adoptou-se uma medida semelhante e o aumento de 2% destinou-se apenas a quem ganhava até 1024 euros mensais.

O Governo de António Costa evitou, nos últimos meses alimentar esperanças quanto a aumentos generalizados no Estado. Além de ter eliminado definitivamente os cortes nos salários, o actual Governo descongelou as progressões na carreira a partir de 1 de Janeiro de 2018, o que acaba por se traduzir em acréscimos salariais para alguns trabalhadores que, segundo o Ministério das Finanças, rondam os 2,9%.

A última vez que houve aumentos na função pública foi em 2009, no final da primeira legislatura do governo liderado por José Sócrates, com os salários a subirem precisamente 2,9%. Daí em diante, as remunerações dos funcionários públicos estiveram congeladas - entre 2011 e 2015 algumas foram mesmo cortadas - e o poder de compra destes trabalhadores encolheu 11,9% desde 2010. Só os trabalhadores com salários mais baixos foram aumentados de 2004 em diante por via do aumento do salário mínimo nacional.

Nos cadernos reivindicativos que já entregaram ao ministro das Finanças os sindicatos pedem aumentos entre 3% e 4%.

Aumento das pensões

Outro tema que esteve em cima da mesa na última reunião do BE com o ministro das Finanças, Mário Centeno, foi o tema das pensões. O que o BE tem vindo a defender é um aumento extraordinário das pensões de 10 euros. O PCP insiste, por seu turno, num aumento mínimo de 10 euros já em Janeiro para todas as reformas. Ao que o PÚBLICO apurou, as negociações estão a avançar e poderá haver condições para que o Governo aceite aumentar pensões.

João Oliveira conta que o Executivo pelo menos “não tem recusado a validade dos argumentos do PCP”, ou seja, ser um aumento mínimo generalizado, não fazer a separação entre pensionistas e ser já em Janeiro para cortar o argumento eleitoralista.

IMI, abono e energia

Por outro lado, o Governo está aberto à hipótese de discutir um novo escalão no adicional ao IMI com uma nova taxa para o património imobiliário acima de 1,5 milhões de euros e também para a criação de um novo escalão intermédio para a derrama do IRC para os lucros das empresas entre os 15 e os 35 milhões de euros (acima dos 35 passou este ano para os 9% e entre os 15 e os 35 é de 5%).

Estas são duas medidas fiscais que têm estado em cima da mesa das negociações entre o PCP e o Governo e que estão bem encaminhadas, afirma ao PÚBLICO o líder parlamentar João Oliveira. Trata-se do reforço de medidas inscritas em anos anteriores, o que tem facilitado a sua discussão. Ainda nos impostos, o Governo não exclui um novo alargamento dos escalões e o reforço do patamar do mínimo de existência (a partir do qual se paga IRS) dos actuais 9006,9 euros para os 9500.

Adicionalmente, é quase certo que haverá reforço no abono de família – resta saber se no alargamento das faixas etárias de cada escalão ou pelo reforço dos valores pagos – e na distribuição de manuais escolares – pelo menos no alargamento ao terceiro ciclo, embora o PCP continue a negociar com o 12º ano completo em vista.

A batalha da redução do IVA no gás de botija está muito mais difícil porque o Governo argumenta com a proibição da UE, mas quanto à redução de 23% para 6% na electricidade e no gás natural o Governo está a considerar alternativas para baixar o custo para os consumidores que não passe por reduzir o IVA.

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