António Domingues ainda se pode salvar

Ainda penso que Domingues pode salvar o começo do seu mandato. Tudo depende do que ele fizer nestas próximas duas semanas e era melhor que fosse depressa.

A CGD tem de acabar com a mala pata. Não é coisa de somenos, é só o maior banco português e a âncora da confiança no sistema. Tornar-se um caso político e continuar nas bocas do mundo não é opção.

Ainda por cima, poderia ter corrido bem. Apesar das pressões de Bruxelas, fechou-se a porta ao início da privatização. Apesar da velha ideia da direita de privatizar a Caixa, o seu carácter público tornou-se regra nacional (até ver). Apesar dos constrangimentos, foi aprovada a recapitalização. Apesar da tradição, desta vez foi escolhida uma equipa profissional, o que foi elogiado por toda a gente. Foi aprovada uma auditoria, para verificar as responsabilidades passadas e limpar o presente (mas ficou para as calendas).

Resolvidos estes problemas, tudo devia ter sido simples. Mas não se podiam adivinhar os novos problemas criados por esta administração. A lista proposta incluía uma câmara corporativa de empresários, esquecendo-se de que a lei os podia bloquear e o BCE podia amesquinhar a ideia, o que veio de seguida. Mas, no meio deste amadorismo, a nova administração não se esqueceu de pôr como condição que fosse garantida aos executivos uma lei especial para o seu próprio salário e para os dispensar de deveres de registo de património e interesses. E foi feito um decreto-lei à medida destas vontades pessoais.

Ora, se a condição do salário é mesquinha, a do registo de interesses é abusiva.

De facto, não noto que o nível do salário tenha vindo a garantir competência. Alguns banqueiros portugueses tiveram dos maiores salários da Europa e isso não os impediu de arruinarem os seus bancos, que os contribuintes têm vindo a pagar. Se António Domingues coloca como condição ganhar no seu mandato o equivalente a 240 anos do salário médio nacional, está a desvalorizar a sua função porque a reduz a uma estratégia pessoal. Se assim for, não percebeu a natureza do seu cargo e a responsabilidade que tem perante Portugal.

Mas entendamo-nos bem: ele tem esse salário garantido. O PS protege-o, o PSD e o CDS fingem que estão chocados e propõem que continue exactamente como está, blindando o dinheirinho com regras de excepções. Na senda dos Sérgios Monteiros deste país, este situacionismo entende que devemos complacência e dízima generosa aos banqueiros.

Onde o caso muda de figura é na declaração de interesses. Aí, Domingues pode perder se persistir em recusar a regra que todos os seus predecessores cumpriram. Legalmente, o assunto parece-me transparente: se está em vigor uma lei que determina que os gestores públicos são quem gere coisas públicas, qualquer excepção casuística ou é inconstitucional porque discrimina sem fundamento ou é ilegal porque recusa aplicar o princípio geral. Mas a substância é ainda mais comprometedora. É que a administração da CGD tem um dever especial para com os accionistas, que é assegurar-lhes que nenhum interesse particular se sobrepõe ao cumprimento do seu dever. Em Portugal, isso garante-se por via do escrutínio da declaração no Tribunal Constitucional, a que se obrigam todas as autoridades. Ao gerir o nosso banco, logo o nosso banco, o seu presidente tem um dever especial para connosco.

Assim, Domingues tem nas mãos a possibilidade de encerrar este dramalhão criado pela excepção que reclamou, prestando a garantia democrática da independência de qualquer interesse. Se o fizer por sua iniciativa, demonstrará desprendimento, reforçará a percepção de profissionalismo e começará o mandato com confiança. Se escolher não o fazer, é porque prefere uma crise na Caixa. Não vejo nenhuma razão para essa escolha e ainda penso que Domingues pode salvar o começo do seu mandato. Tudo depende do que ele fizer nestas próximas duas semanas e era melhor que fosse depressa. 

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