Desvio de 140 milhões nas despesas com salários do Estado em 2016

Quadros enviados ao Parlamento na sexta-feira, em resposta às exigências da direita, actualizam previsões para este ano e também corrigem valores das medidas para 2017 que tinham sido apresentados no OE há apenas 15 dias.

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Governo entregou documentação pedida pela direita na sexta-feira MIGUEL MANSO

O Governo está a contar com um desvio de mais de 140 milhões de euros nas despesas com funcionários públicos da administração central este ano, revela o documento que remeteu na passada sexta-feira à Assembleia da República, em resposta às exigências do PSD e do CDS. Mas, ao longo das 37 páginas, esta é apenas uma das revisões feitas pelo executivo às contas previstas no Orçamento do Estado (OE) para 2016, existindo ainda, por exemplo, uma diferença de menos 600 milhões nas receitas fiscais face ao estimado.

Nove meses depois de ter apresentado o OE para este ano e com uma ideia mais aproximada do que será a execução até Dezembro, o dinheiro que o Governo estima gastar com pessoal da administração central chega a 15.713,5 milhões de euros, o que significa um desvio de 143,3 milhões face ao estimado – ou de 0,9%. Por áreas, a maior diferença está na Educação, com 469,3 milhões acima do inicialmente previsto. A subida é compensada quase na totalidade por uma redução de 442 milhões nas Finanças – onde estava inscrita a verba de 447 milhões destinada à reversão dos cortes salariais e que teria de ser distribuída pelos ministérios. Mas, em sentido oposto, também há acréscimos na Segurança Interna (84,3 milhões), na Saúde (71), na Defesa (39,8), na Justiça (34,8) e no Ambiente (2,2).

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças para explicar esta revisão em alta das despesas com funcionários públicos, mas não foi possível obter resposta até ao momento. No entanto, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) já tinha alertado para a possibilidade de este desvio se verificar, embora estimasse que rondaria os 130 milhões de euros. No relatório sobre a execução orçamental até Agosto, os técnicos da UTAO avisavam que o indicador apresentava um ritmo superior ao esperado, destacando precisamente o programa orçamental Ensino Básico e Administração Escolar – que evidenciava um aumento de 110 milhões no acumulado do ano, quando se previa uma redução de 293 milhões.

“Admitindo que a taxa de crescimento observada até ao final do segundo quadrimestre se mantém inalterada nos últimos quatro meses do ano, numa hipótese considerada conservadora, a execução ficará cerca de 130 milhões de euros acima do objectivo para 2016, sendo necessária a utilização integral da dotação orçamental para compensação da reversão remuneratória e/ou montantes provenientes de cativos, reserva orçamental ou outras dotações”, escrevia a UTAO. Os técnicos concluíam, assim, que o aumento dos custos se devia à reposição dos salários da função pública, que estariam subestimados pelo Governo.

Outra correcção significativa nas previsões para 2016 diz respeito às receitas fiscais, área em que o desvio atinge os 580 milhões de euros. No caso do IVA, o imposto que mais receita gera ao Estado, há uma diferença superior a 400 milhões de euros em relação à primeira estimativa para este ano. Até agora, sabia-se que o Governo estava a prever arrecadar este ano em IVA 15.312 milhões de euros. Mas com o consumo a não crescer tanto quanto o esperado, a execução das contas mostrava há vários meses que a receita deste imposto não estava a correr como o previsto. Agora, os novos números mostram que o Governo prevê que a receita do IVA fique um pouco abaixo dos 15 mil milhões de euros (nos 14.899 milhões).

Nos quadros relativos à execução de cada ministério, também há alterações. Por exemplo, na Educação, que tinha uma despesa prevista de 5843,3 milhões de euros no OE para 2016, os encargos até ao final deste ano cifrar-se-ão afinal nos 6192,2 milhões. Este aumento reflecte-se na evolução deste orçamento face a 2017: se antes se verificava um aumento de 3,1%, agora é esperado um decréscimo de 2,7%. Contactado pelo PÚBLICO, este ministério argumentou que “a comparação entre anos orçamentais deve ser feita entre orçamentos iniciais ou entre orçamentos executados e não entre realidades que são distintas. Se quisermos comparar estimativas de execução, a de 2016 é de 6.192,2 milhões, que deve comparar com a de 2015 que foi 5.925,3 milhões, o que significa um aumento de 266,9 milhões (+ 4,5%)”.

Pelo contrário, há outros casos em que a recente correcção é favorável. Nos Negócios Estrangeiros, passa a haver um aumento de 4,5% nas despesas entre 2016 e 2017, quando nas previsões iniciais a subida se ficava por 1,1%. O mesmo acontece com o Planeamento e Infra-estruturas, em que a redução no orçamento passa a ser 19%, abaixo do corte de 22,6% estimado inicialmente.

Mas o mais surpreendente é a revisão dos números que o Governo entregou à Assembleia da República há apenas 15 dias. No quadro das medidas de política orçamental para 2017, é corrigida a despesa prevista com a reposição dos salários no Estado: no OE para o próximo ano, o executivo tinha previsto um efeito líquido de 257 milhões, mas o valor baixou agora para 181 milhões. O mesmo se passou em relação à poupança estimada com a chamada regra 2 por 1, para controlar as admissões na função pública. No OE que foi apresentado ao Parlamento a 14 de Outubro, projectava-se uma redução de despesa de 122 milhões, que agora recuou para 104 milhões. No entanto, o impacto destas medidas no PIB mantém-se igual.

O CDS, que, a par do PSD, tinha exigido que o executivo apresentasse estes quadros (que deveriam ter sido remetidos a par do OE para 2017), veio afirmar que, agora que os documentos são conhecidos, será possível haver “uma discussão ponderada, pensada e reflectida”. "O que fica bem explícito é que de facto o orçamento precisava de correcções e nós estamos aqui perante quase uma 'versão dois' do orçamento e não se percebe porque é que ela não deu entrada logo de início”, afirmou a vice-presidente, Cecília Meireles, citada pela Lusa.

O ministro das Finanças, Mário Centeno, será agora chamado uma segunda vez à Assembleia da República para dar explicações sobre o OE, já que a primeira audição, na passada terça-feira, foi feita ainda sem os dados que agora vieram a público.

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