Jerónimo critica “guerrilha política” da direita e avisa Costa que é preciso “concretizar” a esperança

Líder comunista quer saber que outras "surpresas desagradáveis" nas contas do país ainda estão por ser descobertas.

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Miguel Manso

Uma no cravo, outra na ferradura – usando as expressões populares de que Jerónimo de Sousa tanto gosta, foi assim que o líder do PCP fez a sua interpelação a António Costa na apresentação do programa de Governo do PS. O secretário-geral comunista deixou críticas à direita, que acusou, por exemplo, de “alimentar uma estéril guerrilha política”, mas aproveitou para lembrar ao primeiro-ministro que é bom que concretize a esperança que deu aos eleitores de esquerda com o acordo que fez com o PCP.

“No seu esforço de guerrilha e crispação, PSD e CDS recusam-se a aceitar essa expressão da vontade popular e a analisar as causas para que 700 mil portugueses, um CDS inteiro, tivessem abandonado a coligação e impedissem que levasse por diante a política de destruição económica e social, de declínio e afundamento do país”, começou por afirmar Jerónimo de Sousa, lembrando os níveis de desemprego e de pobreza. “A precariedade já não é só do trabalho, mas da própria vida.”

Tal como a porta-voz do Bloco, o secretário-geral do PCP falou nas “surpresas desagradáveis que o anterior Governo PSD/CDS deixa ao país”, como o “embuste” da devolução da sobretaxa do IRS e da diminuição do défice, a que acrescentou a “confirmação de que o Banif é mesmo motivo de preocupação para os portugueses”. “Quanto mais haverá para descobrir e quanto tempo demorará?”, questionou Jerónimo de Sousa.

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“PSD e CDS exercitam as diferenças e divergências programáticas entre PS e PCP como se tivessem descoberto a pólvora, como se tivesse havido ocultação de projecto e programa”, ironizou Jerónimo. “Compreende-se que PSD e CDS queiram esconder aquilo que em concreto foi possível PS e PCP identificarem como elementos convergência de resposta aos problemas de anseios dos trabalhadores que estão vertidos no programa que hoje discutimos.”

O líder comunista admitiu que o programa “acolheu um conjunto de propostas que na sua concretização podem contribuir para melhorar, ainda que de forma limitada, a vida de milhões de portugueses”, como a reposição de rendimentos, dos feriados, a tendência para a gratuitidade de manuais escolares e das taxas moderadoras na saúde, por exemplo.

“É verdade que este não é um programa do PCP. Este é um programa do Governo do PS que reconhece que foram erradas as políticas dos últimos anos. Registamos a vontade de mudança”, realçou Jerónimo de Sousa. E lembrou que o programa terá de enfrentar a “contradição entre a concretização dos seus objectivos estruturantes”, como o crescimento do emprego e o desenvolvimento económico, e o “quadro dos constrangimentos externos que nos são impostos”. Ou seja, os instrumentos de política financeira como o tratado orçamental.

“É necessário ultrapassar a divergência entre uma realidade aprisionada em regras draconianas e constrangimentos estéreis e a necessidade de afirmar o nosso desenvolvimento soberano”, avisou Jerónimo de Sousa. Mas aligeirou o discurso, mostrando que isso é tema para discussão numa segunda fase. Para já, a prioridade é outra. “Valorizamos a resposta a problemas mais urgentes dos portugueses, ao mesmo tempo que colocamos a necessidade evidente de uma política patriótica e de esquerda.”

Mas o líder comunista não terminou sem um aviso subliminar a António Costa. Depois de vincar que a derrota da direita representou também a “derrota da ideologia das inevitabilidades, que tudo justificava e impunha”, desafiou: “Está aberta uma janela de esperança, aquela que não fica à espera. Estará de acordo, sr. primeiro-ministro, que é necessário concretizá-la.”

O apelo não caiu em saco roto. António Costa aproveitou a deixa da crítica à direita para realçar que esta tem “dificuldade em compreender que a esquerda, apesar de ser plural, consegue entender-se naquilo que é essencial. A pluralidade e as nossas diferenças não são factores de fraqueza, pelo contrário: é a identidade própria de cada uma que dá força a este colectivo e a esta convergência que foi possível realizar.”

O primeiro-ministro saudou a capacidade dos diferentes partidos de serem capazes de “voltar uma página para não frustrar” a maioria eleitoral que rejeitou a direita e terem conseguido “comprometer-se numa solução de Governo cuja importância política não pode ser diminuída”.

Assumindo a posição diferente de socialistas e comunistas sobre a Europa, Costa admitiu também que o PCP “considera difícil o esforço de compatibilização” nessa matéria. “O PCP definiu a regra e nós definimos a regra. O PCP disse com toda a clareza o que não está disponível para apoiar. O que o PCP não está disponível para apoiar é o que nós também não estamos disponíveis para propor. E portanto o caminho não será certamente fácil, mas o que é importante é termos decidido iniciar a caminhada, tê-la feito de forma aberta e de boa-fé e com base na confiança mútua.”

António Costa vincou ainda: “Nós sabemos que podemos confiar naqueles com quem criámos esta solução de Governo. E podemos confiar no PCP para governar nessa perspectiva da legislatura. É essa a confiança que temos.”

Verdes querem a "política da verdade"
Heloísa Apolónia, dos Verdes, seguiu a mesma linha de PCP e Bloco na crítica à direita, atacou as teorias da falta de legitimidade que PSD e CDS repetem e defendeu ser preciso que o novo Governo faça “uma política de verdade”. “Acabou a política da mentira e da ilusão”, sentenciou a líder parlamentar ecologista referindo-se aos cenários apresentados pela direita sobre a pobreza, o crescimento do PIB ou a devolução da sobretaxa, que acabaram sempre contrariados pelas estatísticas.

“Que medidas tem o Governo para combatermos a pobreza no curto prazo?”, inquire Heloísa Apolónia a António Costa lembrando que não basta aumentar o salário mínimo e repor salários e pensões. “Como vamos inverter o ciclo de empobrecimento?”, quer saber a ecologista, que pretende a mesma resposta sobre o combate às “assimetrias” do país. Para isso é fundamental um plano de mobilidade e de transportes eficaz, realça, lembrando o compromisso com o plano ferroviário nacional que exigiu ao PS no acordo.

Costa classificou a necessidade de uma política integrada de transportes como “essencial” tanto por questões ambientais como por eficiência energética. Aproveitando as deixas para o ataque ao anterior Governo, o primeiro-ministro recusou manter o paradigma da direita, que tornou o país tão pobre que este não consegue comprar nada, seja produzido em Portugal ou importado. Esse modelo, potenciado pela ideia de PSD/CDS de irem além da troika “não resultou”. E como se paga esse virar de página? “Tendo uma economia a funcionar”, com menos desempregados e mais gente a trabalhar.

PAN quer compromissos nas touradas
O deputado do PAN – Pessoas-Animais-Natureza, André Silva, colocou perguntas directas a António Costa, querendo saber, por exemplo, se o Governo tenciona parar as obras e licenciamento de novas barragens enquanto fizer a revisão do plano nacional de barragens, se está disposto a promover o uso de alimentos biológicos nas cantinas públicas e se admite dar liberdade de decisão aos municípios sobre o licenciamento de touradas.

Na resposta, o primeiro-ministro defendeu que devem ser respeitadas as tradições na questão das touradas, e que devem ser as autarquias a decidir sobre a autorização legal de espectáculos que envolvem animais. Costa considerou ser importante a promoção de melhores hábitos alimentares nas escolas, mas não se comprometeu – tal como não o fez em relação às barragens.

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