Manifestantes viram-se contra Erdogan, Governo turco suspeita do Estado Islâmico

Num clima de suspeita política, autoridades tentam identificar responsáveis pelo atentado em Ancara em que podem ter morrido 128 pessoas.

Fotogaleria
Selahattin Demirtas (ao centro), líder do HDP, deposita cravos na praça Sihhiye, em Ancara, em memória das vítimas do atentado BULENT KILIC/AFP
Fotogaleria
Fotos de alguns dos mortos na explosão levadas pelos manifestantes Umit Bektas/Reuters
Fotogaleria
A manifestação em Ankara OZAN KOSE/AFP
Fotogaleria
Funeral de uma das vítimas do atentado, Korkmaz Tedik, dirigente do Partido Trabalhista Turco (EMEP) BULENT KILIC/AFP
Fotogaleria
OZAN KOSE/AFP
Fotogaleria
Manifestante emocionado em Ancara BULENT KILIC/AFP
Fotogaleria
Umit Bektas/Reuters
Fotogaleria
Umit Bektas/Reuters

Luto, revolta e dor estavam nas vozes, nos rostos, nos gestos dos milhares de pessoas que se juntaram este domingo nas ruas de Ancara, a entoar frases anti-Governo perto do local onde duas explosões mataram no sábado pelo menos 95 pessoas – mas devem ter sido pelo menos 128, segundo os números avançados pelo HDP, o Partido Democrático do Povo, pró-curdo, cujos militantes foram o principal alvo do atentado.

“Chefe e assassino Erdogan”, “morte ao fascismo”, gritavam os manifestantes, fazendo-se eco das acusações sobre a autoria do atentado a que Selahattin Demirtas, líder do HDP, dava voz. “Estamos de luto, estamos tristes, mas também estamos furiosos”, declarou, perante a manifestação na praça Sihhiye, no centro da capital turca.

O primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, enumera como suspeitos o Partido/Frente Revolucionária de Libertação do Povo (DHKP-C), um grupo de extrema-esquerda que cometeu muitos ataques na Turquia desde a década de 1970 e, sobretudo, o grupo jihadista Estado Islâmico (EI) – apontado como suspeito do atentado em Suruç, a 20 de Julho, que matou 32 jovens activistas curdos que se preparavam para partir para ajudar a reconstruir Kobani, a cidade no Curdistão sírio que tinha sido reconquistada ao EI. Embora nunca tenha sido reivindicado, são atribuídas as culpas a esse grupo.

Após o atentado, o país, em choque, procura os culpados. Foi “uma bomba nos nossos corações”, dizia a primeira página do diário Hürriyet, expressando o sentimento popular. “Em cólera profunda, as pessoas esperam para saber quem esteve por trás deste ataque”, escreve o jornal.

Mas ninguém reivindicou o ataque, sendo que um dos prováveis bombistas suicidas foi identificado como um homem entre os 25 e os 30 anos, de acordo com uma análise dos corpos no local e das impressões digitais obtidas, segundo o jornal Yeni Safak, pró-Governo.

O atentado visou uma manifestação que reunia sindicalistas e simpatizantes do HDP, pró-curdo, três semanas antes das eleições legislativas, para protestar contra a ofensiva lançada pelo Governo contra os separatistas curdos do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) após o atentado de Suruç – numa estratégia de luta contra “todos os terrorismos”, o dos curdos, o do EI e o da extrema-esquerda.

Por isso, aviões turcos começaram a bombardear na madrugada de domingo alvos do PKK no Norte do Iraque e no Sudeste da Turquia. Isto depois de os manifestantes pró-curdos terem sido massacrados no mais mortífero atentado da História da Turquia moderna, e depois de o PKK ter ordenado aos seus militantes que parassem com toda a actividade no país até às eleições antecipadas de 1 de Novembro.

 “O cessar-fogo do PKK não significa nada para nós. As operações vão continuar”, disse uma fonte militar à Reuters. O vice-primeiro-ministro, Yalcin Akdogan, já tinha dito que o anúncio do PKK não é mais que “uma táctica” pré-eleitoral – na expectativa de favorecer o HDP. A entrada no Parlamento deste partido nas eleições de Junho fez com que o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), o partido do Presidente Recep Erdogan e de Davutoglu, não obtivesse uma maioria suficiente, pela primeira vez desde 2002, para formar governo sozinho nem para mudar a Constituição e transformar a Turquia num regime presidencialista.

O AKP também não conseguiu formar uma coligação governamental, pelo que foram convocadas novas eleições. E acabaram as conversações com os separatistas curdos que duravam há alguns anos, substituída por uma política de confronto.

“Esta estratégia foi baseada na presunção de que a violência levaria os votos dos nacionalistas e dos conservadores para o AKP”, escreveram os analistas da Brookings Institution, Kemal Kirisci e Sinan Ekim, num ensaio de Setembro. Erdogan “reforçou esta estratégia ao retratar o HDP e Demirtas como aliados do PKK, e portanto como responsáveis pela actual instabilidade”.

É por isso que o HDP e o seu líder Demirtas atribuem culpas ao AKP e a Erdogan, cuja acção nos últimos tempos tem sido também de forte repressão dos media e dos próprios jornalistas, além de violência contra os curdos. Por isso, e porque a Turquia tem uma longa história de redes ligadas aos serviços secretos e aos militares, durante os tempos da junta militar e mesmo depois, envolvidos em atentados e acções suspeitas – aquilo a que os turcos chamam o “Estado Profundo”.

 

 

 

 

 

 

Sugerir correcção
Ler 9 comentários