Erdogan aposta em eleições antecipadas e no presidencialismo

A inevitável antecipação das legislativas turcas não se deve apenas às divergências partidárias, mas sobretudo à vontade do chefe de Estado em impor um regime presidencialista.

Foto
as eleições de Junho, Erdogan ficou longe de obter o que desejava mas não aceitou a derrota Yasin Bulbul/Reuters

O primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, desistiu de formar um governo de coligação e devolveu esta terça-feira ao Presidente Recep Tayyip Erdogan esse “mandato”, afirma um comunicado presidencial. Neste quadro, a dissolução do Parlamento parece inevitável, prevendo-se a realização de eleições antecipadas no fim de Outubro.

Davutoglu falhou, nas negociações com os principais partidos da oposição, a obtenção de um acordo de coligação. Nas eleições de 7 de Junho, o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), que governa desde 2002, perdeu a maioria absoluta. O prazo de 45 dias para formar uma coligação esgota-se no domingo, dia 23.

Há muita especulação. Erdogan convidará ainda Kemal Kiliçdaro lu, líder do Partido Republicano do Povo (CHP)? Este defende um governo de unidade com todos os partidos parlamentares, inclusive o Partido Democrático do Povo (HDP, pró-curdo). Mas o Partido do Movimento Nacionalista (MHP) opõe-se à participação do HDP. O mais certo é que, a 23, o Presidente dissolva o Parlamento e nomeie um governo interino até às eleições.

Esta crise não se deve apenas às divergências entre o AKP e os partidos da oposição. Deve-se também, ou sobretudo, à manifesta vontade presidencial de evitar uma solução parlamentar que enterraria os seus desígnios presidencialistas.

Sempre o presidencialismo
“Erdogan perdeu a batalha, mas talvez não tenha perdido a guerra”, escreveu em Junho o analista Mustafa Akyol. Nessas eleições o que realmente estava em jogo era a natureza do regime. O Presidente queria fazer uma revisão constitucional para instaurar um regime presidencialista “à francesa” ou “à americana”, em que passaria a concentrar todo o poder executivo. Para isso, precisava de três quintos dos deputados. Mas acabou por ver o AKP perder, pela primeira vez, a maioria absoluta. Foi uma pesada derrota pessoal. Mas concluía Akyol: “O 7 de Junho complicou a vida de Erdogan e tornou mais incertos os seus sonhos autoritários. Seria ingénuo pensar que os abandonou.”

Depressa se percebeu que Erdogan não aceitou a derrota. Para ganhar tempo, e tornar mais difícil uma coligação que “parlamentarizaria” o sistema, retardou até 9 de Julho a indigitação de Davutoglu. Continuou a “comandar” o executivo em termos inconstitucionais. Utilizou a política internacional para se afirmar. O atentado de Suruç, a 20 de Julho, que matou 32 pessoas e foi reivindicado pelo Estado Islâmico (EI), deu-lhe uma oportunidade para reafirmar a liderança. Fez uma viragem na estratégia turca, passando a colaborar com os Estados Unidos no combate ao EI e aproveitando para atacar os curdos do PKK.

Erdogan já está em campanha. No dia 14, na província de Rize, explicou aos turcos: “Há um presidente que tem de facto poderes neste país, não um presidente simbólico. O presidente deve cumprir os seus deveres directamente perante a nação, mas com a sua autoridade própria. Gosteis ou não, o regime turco mudou. (...) Agora, o que é preciso é adaptarmo-nos a esta situação de facto e inscrevê-la juridicamente no quadro da Constituição.”

E agora?
O AKP convocou um congresso para 12 de Setembro, para definir a sua estratégia. Há sectores que criticam a falta de liderança de Davutoglu. Será seguramente Erdogan a decidir dos “assuntos espinhosos”. Neste momento, o AKP não está na melhor posição.

Uma sondagem publicada pelo jornal Birgün (esquerda) atribui ao AKP 39,2% das intenções de voto, ligeiramente abaixo dos resultados de Junho. O CHP teria 26,4%, o MHP 16,2% e o HDP 14,1% (contra 13,1% em Junho). A votação do HDP é crucial, já que foi ele que em Junho anulou a maioria absoluta do AKP. É uma mera sondagem, mas indica que Erdogan está ainda longe de consagrar o seu “poder de facto”. Para 56% dos inquiridos, o Presidente é responsável pela “situação de quase guerra” no país. Por outro lado, a lira, moeda turca, está em queda livre.

A Turquia está envolvida num arriscado jogo internacional, com duas frentes de combate — EI e PKK. Escreve no diário Zaman o jornalista Murat Aksoy que Erdogan está a “anunciar um golpe civil”. As eleições deveriam travar “o declínio eleitoral do AKP” e para isso ele apostará na crescente “polarização social” que a Turquia está a viver. Uma extrema polarização visaria marginalizar o HDP, abrindo caminho à maioria absoluta do AKP.     

Sugerir correcção
Comentar