Estamos já no princípio do fim da era do dinheiro barato?

Depois de seis anos e meio com as taxas de juro a zero, a Reserva Federal pode esta quinta-feira dar o primeiro passo na inversão da mais expansionista política monetária da história.

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Janet Yellen presidente da Reserva Federal terá de avaliar se a economia norte-americana já está suficientemente forte para dispensar taxas de juro nulas Alex Wong/AFP

É preciso recuar quase uma década até Junho de 2006, para encontrar um anúncio de uma subida de taxa de juro por parte do banco central da maior economia do Planeta. Nessa altura, ainda com George W. Bush na presidência dos EUA, a hipótese de uma crise financeira internacional não era mais do que o aviso de uns poucos economistas e a Reserva Federal, então liderada por Ben Bernanke continuava a tentar evitar que a inflação derrapasse para níveis mais altos do que os desejados.

Entre esse dia e esta quinta-feira, muita coisa aconteceu: a bolha do mercado de crédito subprime nos Estados Unidos rebentou, os mercados financeiros internacionais colapsaram, a economia mundial entrou na Grande Depressão e os bancos centrais de todo o Mundo, com a Fed na liderança, adoptaram medidas de estímulo nunca vistas, com taxas de juro em mínimos históricos e compras de activos em grande escala.

Nos Estados Unidos, durante os últimos seis anos e meio, a taxa de juro de referência está colada a zero. Esta quinta-feira, os analistas consideram que finalmente existe a possibilidade real de as taxas voltarem a subir. Uma decisão, que a ser tomada, poderá marcar o princípio do fim da era de dinheiro barato que actualmente se vive na economia mundial.

Será mesmo desta?
A decisão, de subir ou manter as taxas, será anunciada pela Fed – e logo a seguir explicada pela sua presidente Janet Yellen – esta quinta-feira a partir das 20h (hora de Lisboa). Neste momento, os analistas dividem-se em relação ao que poderá acontecer.

Nos inquéritos que têm vindo a ser feitos nos últimos dias pelas agências noticiosas Bloomberg e Reuters, cerca de metade dos economistas contactados acham que a Fed vai subir taxas de juro já esta semana, a outra metade aposta que a decisão irá ser novamente adiada. Nos mercados, os indicadores que antecipam qual é a evolução da taxa de referência da Fed, têm implícita uma probabilidade de 30% de que a subida aconteça esta quinta-feira.

A dúvida em relação ao que irá acontecer é o reflexo dos dilemas que qualquer banco central tem de enfrentar quando passa por um momento de viragem da sua política. E é isso que está a acontecer na Fed. Janet Yellen e os outros responsáveis da Reserva Federal têm a difícil tarefa de avaliar se a economia norte-americana já está suficientemente forte para dispensar taxas de juro nulas ou se, pelo contrário, uma subida agora poderia colocar em causa a retoma conseguida até agora. Têm também de calcular se o prolongamento da actual política de juros zero está a criar novas pressões inflacionistas e, eventualmente, uma nova bolha especulativa nos mercados, ou se pelo contrário, o maior perigo ainda vem da deflação e de uma nova queda dos mercados. Por fim, os responsáveis da Fed dificilmente podem esquecer os impactos que a sua decisão terá no resto do Mundo e as potenciais consequências que uma instabilidade externa poderia trazer para os Estados Unidos.

A dar força à ideia de que uma subida de taxas pode estar para muito breve está o facto de Janet Yellen desde o início do ano ter transmitido aos mercados que tal deverá começar a acontecer antes do final deste ano. No entanto, só isso não serve de qualquer garantia.

É que, desde o início da crise, a Reserva Federal tem dado mostras que, em tempos de emergência, a sinalização que é feita de uma política para o futuro pode não ser para levar muito a sério. Por exemplo, em Dezembro de 2012, ainda com Ben Bernanke ao leme, a Fed anunciou que as taxas de juro se manteriam a zero até que o desemprego estivesse acima dos 6,5%. Essa barreira já foi passada há bastante tempo (a taxa neste momento é de 5,1%) e uma subida de taxas ainda não aconteceu.

Depois, já em Janeiro de 2015, os mercados leram nas palavras de Janet Yellen que a subida aconteceria dentro de duas reuniões. Mas, em Março, quando chegou a hora da decisão, foi dito que eram precisas “mais melhorias” na situação da economia.

Nada garante que, principalmente tendo em conta que nos últimos meses muito aconteceu na economia mundial, aquilo que parecia uma promessa de subida até ao final do ano seja afinal substituída por outro compromisso.

As dúvidas do desemprego
Esta dificuldade na decisão resulta também do facto de, entre os economistas – e mesmo entre os diversos membros da Fed – haver opiniões muito diferentes sobre o que deve ser feito. As diferenças de opinião estão sobretudo relacionadas com a forma como se olha para aquilo que tem acontecido no mercado de trabalho norte-americano e o impacto que esses desenvolvimentos podem ter na inflação.

A taxa de desemprego, que atingiu um máximo de 10% no final de 2009, caiu de forma surpreendentemente rápida nos últimos quatro anos. Está agora nos 5,1%, bem abaixo do nível que a Fed tinha definido como a fronteira para começar a subir as taxas de juro outra vez.

E realmente, quem defende que chegou a hora da Fed agir, vê nesta taxa de desemprego relativamente baixa uma ameaça para a estabilidade de preços. A lógica é a de que, com menos mão de obra desempregada, cria-se uma pressão no mercado de trabalho para subir os salários. Com as pessoas a terem dinheiro para gastar mais, os preços acabam por subir, fazendo subir a inflação.

Pelo contrário, quem é contra uma subida diz que o facto de a taxa de inflação oficial ter caído para próximo de 5%, não significa necessariamente que se possa assistir como consequência a uma pressão sobre os preços. Assinalam, por um lado, que a inflação continua a níveis relativamente baixos. Em Agosto foi de apenas 0,2% face ao mesmo período do ano passado e de 1,8%, quando se retira da análise os bens mais voláteis como os combustíveis e os alimentos. Isto acontece, argumentam, porque a taxa de desemprego “real”, que inclui também os trabalhadores desencorajados que desistiram de procurar emprego ficou, desde o início da crise, bastante mais distante do desemprego oficial.

O banco central mundial
Embora a Fed seja o banco central dos Estados Unidos, não serão apenas os cidadãos norte-americanos que irão sentir na pele os efeitos da decisão que venha a ser tomada esta quinta-feira. Isso já foi claro quando, em 2012, toda a economia mundial passou por um período de instabilidade pelo simples facto de Ben Bernanke ter anunciado que o fim do programa de compra de activos da Fed poderia estar a caminhar para o seu fim.

Agora, mais uma vez, na linha da frente vão estar especialmente os países emergentes que têm uma ligação forte com a economia dos Estados Unidos e que se encontram neste momento numa situação de maior fragilidade. Duas potências emergentes, em particular, podem ter muito a perder com uma decisão de começar já a subir as taxas: a China e o Brasil.

Na China, as autoridades poderão ainda sentir mais dificuldades em responder à descida da cotação das acções e à depreciação do iuan face ao dólar, no que constituiria mais um contributo para a instabilidade a que se tem vindo a assistir no gigante asiático.

No Brasil, a fragilidade da situação económica é ainda maior e a última coisa que Dilma Roussef e o seu Governo desejam neste momento é uma subida de taxas de juro que faça com que o real caia ainda mais face ao dólar, forçando o banco central brasileiro a subir mais as taxas numa altura em que a economia está em recessão.

Em ambos os casos, um dos principais problemas, está nas empresas que se endividaram em dólares e que, perante a continuação da escalada da divisa norte-americana, ficam com ainda maiores dificuldades em amortizar as suas dívidas.

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