Governo da Hungria declara guerra aos imigrantes

A polícia foi mobilizada em força para a fronteira. O exército virá breve. A ameaça? Os milhares de pessoas que fogem das guerras e procuram uma hipótese de reconstruir a vida na UE.

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Em Roszke, imigrantes recusaram-se a dar as impressões digitais e a polícia respondeu com gás lacrimogénio CSABA SEGESVARI/AFP

O Governo húngaro ameaça dar o passo em diante que pode ser o da entrada num inferno: quer ter a autorização do Parlamento para poder usar o exército na fronteira em acções de controlo do afluxo de refugiados. “Os imigrantes ilegais tornam-se cada vez mais agressivos, não podemos tolerar o que passou em Roskze, não podemos aceitar esta agressão”, afirmou Szilard Nemeth, vice-presidente da comissão parlamentar de Segurança Nacional e membro do Fidesz, o partido do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán.

O que se passou em Roskze, uma povoação próxima da fronteira com a Sérvia, foi que a polícia húngara usou gás lacrimogénio para tentar impedir cerca de 200 pessoas de abandonar o principal centro de processamento dos imigrantes e cruzarem a fronteira sem serem registados, fornecendo as suas impressões digitais. Resistiam a fazê-lo porque, de acordo com as directivas em vigor na União Europeia, se o seu pedido de asilo for recusado, no país em que desejam pedi-lo, serão devolvidos ao país europeu em que primeiro foram registados – neste caso, a Hungria.

“O meu irmão está na Suécia”, disse um imigrante à Reuters, que não quis dizer o nome. “Ele disse-me que mais valia cortar as mãos do que permitir que os húngaros me tirassem as impressões digitais. Por isso estamos à procura de um caminho para chegar à Áustria sem dar de caras com a polícia húngara”, explicou.

Para os países do Norte da Europa, esta questão do registo dos imigrantes no primeiro país em que entram na UE é muito importante – por isso Angela Merkel e François Hollande apelaram à Itália e à Grécia para que se despachassem a construir os centros de registo cuja criação tinha sido decidida em Junho, para ajudar a destrinçar os imigrantes económicos dos refugiados. O ministro dos Negócios Estrangeiros italiano reagiu iradamente esta quarta-feira, numa entrevista ao Corriere della Sera. “Pedir à Grécia e à Itália que façam o seu dever na imigração é como dizer a um país atingido por uma inundação para acelerar a produção de guarda-chuvas.”

 País de passagem
Têm estado a ser batidos todos os recordes de travessias de fronteira de refugiados, imigrantes – pessoas que fogem das guerras do Médio Oriente, da pobreza, de miséria e de todas as coisas que cortam pela raiz a esperança de ter uma vida.

Só na Hungria, país-membro da União Europeia e no limite do espaço Schengen, mais de 2000 pessoas atravessaram na segunda-feira a fronteira com a Sérvia. Fazem parte dos milhares que têm chegado às ilhas gregas – só em Julho foram 50 mil, quando Agosto terminar terão sido mais ainda.

Se até Julho chegaram à Europa cerca de 340 mil migrantes, segundo a última contagem disponível, mais de 100 mil pessoas entraram no espaço europeu através da Hungria desde o início do ano, ou seja mais do dobro do total de 2014. Embora a grande maioria não pretenda ficar ali – este é apenas um país de passagem, a porta de entrada no espaço europeu – este afluxo sem precedentes gerou dificuldades de resposta das autoridades húngaras.

“Não fazemos a viagem por causa de dinheiro ou por causa de comida, é por liberdade, liberdade de espírito, por educação”, disse à Reuters Rabie Hajouk, um engenheiro de telecomunicações de 29 anos, que disse ser da devastada cidade síria de Homs.

O Governo profundamente conservador de Victor Orbán reagiu como se estivesse a fazer face a uma invasão. Além de ordenar a construção de um muro de quatro metros de altura ao longo dos 175 quilómetros da fronteira da Hungria com a Sérvia – que deverá estar terminado na próxima segunda-feira, 31 de Agosto – foram imensamente reforçados os controlos fronteiriços.

O chefe nacional da polícia, Karoly Papp, anunciou que, a partir de 5 de Setembro, as forças da fronteira, que já são guardadas por mais de mil polícias, vão ser reforçadas com mais 2016 agentes. Mas para defender o território das incursões de imigrantes foram também convocados helicópteros, cães e polícia montada, explicou.

O debate no Parlamento – onde o partido de governo, o Fidesz, tem ampla maioria – para aprovar a possibilidade de enviar os militares para a fronteira deve realizar-se a 3 ou 4 de Setembro. O objectivo é ter em aberto a opção de “usar o exército para desempenhar tarefas ligadas às migrações e à defesa da fronteira”, explicou Szilard Nemeth.

Se há dúvidas sobre o estatuto das pessoas que formam a maré humana que está a derramar-se sobre os limites a Leste da União Europeia – e que muitos dos países da UE se recusam a receber –, o director executivo da agência europeia de fronteiras, a Frontex, voluntaria uma apreciação: “A maioria das pessoas que chegam à Grécia são verdadeiramente refugiados e potenciais requerentes de asilo”, disse à AFP Fabrice Leggeri. Há muitos sírios e afegãos, mas reconhece que há sempre o risco de alguns tentarem fazer-se passar por sírios, por exemplo, com falsos passaportes.

A questão dos imigrantes que se derramam à porta da Europa, na esperança de uma nova vida – esperam sobretudo ir para a Alemanha ou para a Suécia, os países que têm sido mais generosos a conceder asilo – será o principal tema da cimeira UE-Balcãs que se realiza esta quinta-feira em Viena, na Áustria.

A Hungria tem exigências precisas a fazer à União Europeia: mais dinheiro para lidar com esta vaga de refugiados, concretamente oito milhões de euros extra, a acrescentar aos 85 milhões que lhe estavam atribuídos ao longo dos próximos sete anos para a política de asilo, imigração e policiamento. Segundo a Reuters, este pedido está a ser apreciado e deve haver uma decisão rapidamente, diz a Reuters, citando uma porta-voz da Comissão Europeia.

A posição do Governo húngaro é clara: “Se não fizermos algo de significativo, vamos tornar-nos um barco salva-vidas que se afunda sob o peso dos que se agarram a ele”, afirmou Janos Lazar, o chefe de gabinete do primeiro-ministro húngaro, numa entrevista ao jornal Magyar Hirlap.

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