Conselho de Segurança da ONU chega a consenso sobre plano de paz para a Síria

Acordo é simbólico mas pode beneficiar das novas sensibilidades criadas pelo acordo nuclear iraniano. Novo plano quer ignorar Assad e avançar directamente para negociações.

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O enviado especial da ONU criticou abertamente o regime pelo ataque a civis. O Governo de Assad acusou-o de falta de "objectividade" Sameer al-Doumy/AFP

O Conselho de Segurança das Nações Unidas apoiou por unanimidade um novo plano de paz para a Síria, anunciado no final de Julho pelo enviado especial da ONU para o país, Staffan de Mistura. É a primeira vez desde o início da guerra em que todos os membros concordam num documento. O apoio é simbólico, mas pode criar avanços importantes no terreno.

Há muitos semelhanças entre o novo plano de paz e o projecto definido em 2012 nas primeiras negociações em Genebra. Aliados do regime de Bashar al-Assad e apoiantes da Coligação Nacional da Síria – o grupo da oposição patrocinados pelos Estados Unidos e União Europeia – concordaram então em exigir o fim imediato dos combates e a formação de um governo de transição. O passo final para a paz seriam eleições livres e democráticas na Síria. 

Mas há uma diferença crucial entre o novo plano e Genebra I. A nova proposta contorna a grande divisão criada entre aliados e opositores do regime sírio, que discordam sobre qual será o papel de Assad num futuro Governo de transição. Em vez de o exigir como pré-requisito para outras negociações, Mistura quer avançar imediatamente para quatro "grupos de trabalho" independentes. 

Regime e Coligação Nacional da Síria podem começar já discussões sobre “segurança e protecção para todos; temas legais e políticos; assuntos militares, de segurança e antiterrorismo; prestação de serviços públicos, desenvolvimento e reconstrução.”

A intenção é avançar para assuntos concretos sem que seja necessário, como explicou Mistura no final de Julho, “esperar por um alinhamento mais propício das circunstâncias regionais e internacionais”. Na segunda-feira, os 15 países do Conselho de Segurança concordaram – pese a oposição da Venezuela à passagem sobre o executivo de transição, “ignorar o papel que o Governo da Síria deve desempenhar".  

O acordo nuclear iraniano abriu recentemente as portas a uma série de avanços diplomáticos não oficiais para o conflito sírio. Há informações de que tanto os Estados Unidos, um dos principais opositores de Assad, e Rússia e Irão, os maiores aliados do regime, podem estar dispostos a fazer concessões sobre o futuro do país. Uma nova ronda de negociações promovida pelas Nações Unidas pode acelerar novos consensos internacionais.

Insucessos passados
Mas o passado das negociações de paz para a Síria não é auspicioso. Nenhuma das iniciativas internacionais deu passos substantivos para terminar o conflito e só esporadicamente se negociaram curtas tréguas para o envio de apoio humanitário a algumas localidades. A guerra civil, que começou em 2011, já matou mais de 250 mil pessoas e fez mais de dez milhões de deslocados. 

Primeiro falharam as iniciativas da Liga Árabe, logo no final de 2011. Assad acabou afastado da organização no ano seguinte e, em 2013, o seu lugar foi dado à Coligação Nacional da Síria. Seguiu-se um ano de inconsequentes conferências dos chamados “Amigos da Síria”, que não incluíram o regime de Assad nem russos, iranianos ou chineses.

Mais significativamente, porém, falharam as duas grandes iniciativas internacionais para a resolução do conflito. Os processos de Genebra I e II. Foram, respectivamente, o culminar dos projectos diplomáticos dos dois antecessores de Staffan de Mistura: o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan e o veterano diplomata argelino Lakhdar Brahimi.

Tiveram a virtude de reunir – ou tentar reunir – os grandes actores regionais e internacionais com interesses no conflito sírio. E, em Junho de 2012, o primeiro encontro de Genebra acabou mesmo com um acordo entre as principais forças internacionais.

Mas o cessar-fogo, primeiro ponto do acordo, nunca se concretizou. Rivais e opositores a Assad cedo se aperceberam que tinham interpretações diferentes sobre Genebra I. O Ocidente pensava que o plano exigia o fim da presidência de Assad, mas Rússia e China não. Um mês depois, Kofi Annan afastou-se do cargo de enviado das Nações Unidas para a Síria.

Genebra II foi um fiasco. Não se tinham ainda passado dois anos sobre os primeiros encontros e o conflito adquiria contornos cada vez mais trágicos. Se já antes Assad e os grupos rebeldes patrocinados pelo Ocidente pareciam não ter interesse em parar os combates, em Janeiro de 2014 a intransigência estava endurecida por meses de confrontos sangrentos.

“Enquanto os jornalistas assistiam do exterior, como eu, as negociações caíam na farsa. Nenhuma das facções falava com as outras e, por causa disso, todas as mensagens tinham de passar por Brahimi”, escreve Janine di Giovanni, jornalista especializada no Médio Oriente, num perfil de Mistura escrito para o Guardian

Aos falhanços do passado juntam-se desentendimentos recentes. De Mistura criticou abertamente o regime de Bashar al-Assad pelos bombardeamentos de domingo em Duma, onde morreram mais de cem civis atingidos repetidamente por aviões do Governo. Nesta terça-feira, o regime respondeu dizendo que Mistura está "longe da objectividade e dos factos". 

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