Festa na inauguração da embaixada de Cuba nos Estados Unidos

Ligação diplomática entre os dois antigos inimigos da Guerra Fria foi oficialmente restabelecida com a reabertura de embaixadas em Washington e Havana.

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Com a bandeira cubana hasteada em Washington, a secção de interesses tornou-se embaixada Andrew Harnik/Reuters
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O ministro cubano dos Negócios Estrangeiros, Bruno Rodriguez, hasteou a bandeira ANDREW HARNIK/AFP
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As relações diplomáticas foram cortadas em 1961 pelo Presidente dos EUA Dwight Eisenhowe ANDREW HARNIK/AFP
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No exterior, uma multidão quis ver a História a acontecer ANDREW HARNIK/AFP
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Visitante fotografa-se frente à bandeira que foi retirada da frente da embaixada a 3 de Janeiro de 1961 ANDREW HARNIK/AFP

A festa fez-se com mojitos e shots de rum Havana Club, ao som da mistura “habanera” de mambo, jazz e rumba que caracteriza o son cubano: um minuto depois da meia-noite, hora de Washington, a mansão ocupada pela antiga secção de interesses consulares de Havana na rua 16 da capital norte-americana tornou-se, oficialmente, a embaixada de Cuba nos Estados Unidos.

Ao fim da manhã, mais de 500 convidados oficiais assistiram ao hastear da bandeira cubana, pela mão do ministro dos Negócios Estrangeiros, Bruno Rodríguez Parrilla, o primeiro governante cubano a entrar nos Estados Unidos em mais de 50 anos. Como todos notavam, a cerimónia decorria em território que agora é cubano, e não mais um protectorado da Suíça, que nas últimas cinco décadas serviu de anfitriã àquela missão. “Viva Cuba!”, ouviu-se, assim que a bandeira foi levantada.

O hino nacional foi cantado, a plenos pulmões, pela delegação que viajou desde Cuba para o acto oficial: vários artistas, muitos funcionários diplomáticos e veteranos da guerrilha revolucionária. A acompanhar a cerimónia esteve também um largo contingente governamental norte-americano, e um grupo de legisladores do Congresso – que não incluía nenhum dos nomes mais críticos à reaproximação entre os dois países ou opositores da doutrina de negociação com inimigos tal como aplicada pelo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Além das duas comitivas e dos convidados, no exterior do edifício, centenas de curiosos acompanharam a História a acontecer em directo: depois de meio século de hostilidade política e isolamento diplomático, os Estados Unidos e Cuba puseram fim ao último resquício da política de blocos da Guerra Fria e restabeleceram a ligação diplomática que foi interrompida a 3 de Janeiro de 1961, no rescaldo da subida ao poder do líder revolucionário Fidel Castro.

À mesma hora, mas sem a mesma pompa, o bloco de cimento e vidro de seis pisos que instalava a missão consular norte-americana em Havana, igualmente debaixo da protecção da Suíça, passou a ser a embaixada dos Estados Unidos em Cuba. Num comunicado oficial, divulgado em espanhol, o Departamento de Estado explicava que “a partir de hoje, a secção de interesses dos Estados Unidos tornou-se oficialmente a embaixada dos EUA em Havana. As operações diplomáticas continuarão a decorrer no edifício do Malecón, sob a liderança do encarregado de negócios interino, Jeffrey DeLaurentis”. Às seis horas da manhã, uma longa fila com centenas de “clientes” já ondulava para fora do complexo e até um pequeno parque contíguo – mas como escrevia The New York Times, esse era um sinal de que “a mudança era imperceptível do exterior”.

A cerimónia simbólica do hastear da bandeira americana no complexo que voltado para as águas da baía de Havana ficou adiada para o próximo mês, aguardando a visita oficial do secretário de Estado John Kerry à ilha, acrescenta o comunicado. A data avançada foi 14 de Agosto, mas a informação não foi oficialmente confirmada. “Os detalhes serão divulgados nas próximas semanas”, promete o comunicado.

A reabertura das embaixadas é, até agora, o passo mais significativo no processo de normalização da relação entre os dois antigos inimigos que foi anunciado a 17 de Dezembro de 2014 pelo Presidente norte-americano, Barack Obama, e o seu homólogo cubano, Raúl Castro, o irmão mais novo de Fidel e que lhe sucedeu no poder. Obama constatou o falhanço da política de isolamento e cumpriu o desígnio de Dwight Eisenhower, o Presidente que rompeu com Castro com “esperança e convicção que num futuro não muito distante será possível voltar a encontrar um reflexo da nossa histórica amizade com relações normais de todo o tipo”.

Como observou Obama, nessa altura, ninguém – nem nos EUA e nem Cuba – acreditava que o braço-de-ferro fosse prolongar-se por mais de 50 anos. Hoje em dia, o tom já não é de confronto ou rancor mas ainda existem diferenças muito significativas entre os dois países, que eram de resto explícitas nas duas pequenas manifestações que decorreram ao mesmo tempo, no passeio oposto ao da embaixada de Cuba em Washington. “Cuba si, embargo no!”, gritava um grupo; “Cuba si, Fidel no!”, respondia um outro.

“Este é um novo capítulo, de um caminho longo e complexo até à normalização”, declarou o Presidente de Cuba, Raúl Castro, numa mensagem televisiva ao país. “De um lado e do outro, vamos ter de demonstrar vontade para encontrar as soluções para os problemas que se foram acumulando ao longo de mais de cinco décadas e que tanto prejudicaram a relação entre as nossas nações e os nossos povos”, acrescentou.

Apesar do abuso de adjectivos na descrição dos últimos acontecimentos, os analistas que estudam as relações entre os EUA e Cuba acreditam que decorrerão vários anos até que o “descongelamento” se conclua. As desconfianças de parte a parte não foram ainda totalmente ultrapassadas, e as exigências que são colocadas por ambos os lados para completar o processo implicam negociações complexas e demoradas. Mas como dizia um antigo diplomata cubano, Carlos Alzugaray Treto, a The New York Times, pelo menos “o génio já saiu da lâmpada. E agora que está cá fora, ninguém o pode voltar a pôr lá dentro”.

Desde que anunciou a reversão da política norte-americana em relação a Cuba, a Administração Obama tomou uma série de medidas para “suavizar” as restrições impostas há décadas à ilha e facilitar as trocas entre os dois países: os constrangimentos às viagens para Cuba a partir dos EUA foram levantados, os limites para as transferências financeiras foram elevados e as regras para as importações e exportações também foram revistas. Em Maio, Cuba foi retirada da lista de nações patrocinadoras de terrorismo, compilada pelo Departamento de Estado.

Obama, que defende o fim do embargo económico que vigora desde 1962, não pôde agir nesse sentido, uma vez que só o Congresso tem competência para revogar a legislação (e a maioria republicana já fez saber que não tenciona alterar esse regime). Para os cubanos, o processo de normalização só estará concluído quando EUA acabarem com o “bloqueio”. Do lado dos EUA, os principais obstáculos prendem-se com a natureza autocrática do regime, que não reconhece a oposição e a dissensão; o desrespeito pelos direitos humanos e os princípios da liberdade de expressão e reunião.

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