Um massacre numa aldeia yazidi e mais uma ofensiva área dos EUA no Norte

Curdos tentam recuperar aos jihadistas a maior barragem do Iraque, com apoio aéreo norte-americano. Pelo menos 80 homens foram executados e 300 mulheres raptadas de uma aldeia.

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Os combatentes curdos tentam agora recuperar a barragem de Mossul, com a ajuda dos EUA Ahmad al-Rubaye/AFP

Yazidis, cristãos, turcomanos, as minorias étnicas e religiosas iraquianas continuam a ser perseguidas, executadas, raptadas. Árabes xiitas, que os jihadistas do Estado Islâmico (EI) consideram infiéis, sunitas que se opõem à barbárie. Os massacres prosseguem no Iraque.

Depois de mais um – foram mortos pelo menos 80 homens e raptadas 300 mulheres na aldeia yazidi de Kocho, poucos quilómetros a sudoeste da cidade de Sinjar –, as forças curdas lançaram este sábado uma ofensiva para tentar recuperar aos radicais a barragem de Mossul (maior cidade do Norte do Iraque e segunda maior país). Os peshmergas (combatentes curdos) contam com apoio da aviação norte-americana (caças F-18 e drones).

“Matámos vários membros do EI. Continuamos a avançar e deveremos ter boas notícias nas próximas horas”, disse durante a tarde o general curdo Abdel Rahman Korini, citado pela AFP. A barragem, a mais importante do país, está nas mãos dos combatentes islamistas desde 7 de Agosto e os curdos ainda não tinham tentado expulsá-los dali. Os bombardeamentos começaram na madrugada de sábado.

Nas margens do Tigre, 50 quilómetros a norte de Mossul, é esta a barragem que fornece água e electricidade a uma vasta região, permitindo irrigar quase todas as terras agrícolas da província de que esta cidade é a capital, Nínive. Em 2007, os então comandantes das forças dos Estados Unidos no Iraque avisavam que qualquer problema sério nesta barragem seria uma catástrofe, pois ameaçaria afundar e inundar “o longo rio Tigre até Bagdad”.

Quando entraram no Iraque, em Dezembro, vindos da Síria, os homens do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), que agora se dizem chamar EI, já usaram pequenas barragens como arma, inundando zonas nos subúrbios de Falluja, cidade de Anbar, a província entre Bagdad e a fronteira síria, a Ocidente. Só em Junho, quando o ISIS tomou Mossul, é que os políticos iraquianos e o resto do mundo começaram a perceber a dimensão da ameaça que representam no Iraque e em toda a região (Síria, Líbano).

Os EUA decidiram intervir com apoio aéreo já este mês e ainda terão ponderado uma incursão militar terrestre para resgatar milhares de yazidis que continuam escondidos na região do Monte Sinjar, sem conseguir alcançar o Curdistão iraquiano, a região semi-autónoma que faz fronteira com a Turquia, ou a Síria – sim, já há gente de diferentes grupos étnicos e religiosos a fugir do Iraque para a Síria, incluindo alguns que há poucos meses tinham começado por fugir da Síria para o Iraque.

Demasiado tarde
A última matança aconteceu, então, em Kocho. Segundo relatos de políticos curdos, ONG locais e combatentes curdos que lá chegaram – “demasiado tarde”, dizem, explicando só terem encontrado cadáveres –, o EI tinha a aldeia cercada há pelo menos uma semana e foi adiando o ultimato habitual “ou se convertem ou morrem”.

“Os aldeões tinham recebido garantias de que estavam a salvo”, diz o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros iraquiano, o curdo Hoshyar Zebari, citado pelo Washington Post. “Talvez tenham sido mortos por vingança, depois das perdas que sofreram com os ataques aéreos” dos EUA, afirma. Outras teorias sugerem que, pelo contrário, os jihadistas avançaram quando perceberam que os EUA não vinham a caminho por terra para resgatar ninguém.

O jornalista Peter Kenyon, da emissora pública norte-americana NPR, enviado a Dohuk, a província do Curdistão iraquiano onde se concentra a comunidade yazidi, estima que tenham sido mortos entre 80 e “muito mais pessoas”. Os homens foram executados na rua. As mulheres foram levadas para Tal Afar, cidade controlada pelos radicais que a têm usado como prisão. Donatella Rovera, conselheira da Amnistia Internacional que acabou de viajar pela zona, diz que pelo menos 3000 mulheres e meninas estão em Tal Afar.

“Tememos que os homens tenham sido executados”, descreve Rovera. Mais de 200 mil iraquianos chegaram ao Curdistão em fuga dos jihadistas (todos os que puderam escapar e não ficaram perdidos nas montanhas). “Há aldeias que fogem todas juntas, 80 famílias, uma comunidade em fuga”, disse ao PÚBLICO Maria Lozano, jornalista da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, horas depois de ter aterrado na Alemanha, vinda de Erbil, capital da região que os curdos do Iraque governam.

45 graus 
Lozano foi ver a desgraça dos cristãos, a viver em Erbil e nos seus arredores ou em Dohuk, depois de fugirem da zona de Mossul. Muitos estão em abrigos abertos pelas paróquias cristãs da região, outros vivem agora ao ar livre, em parques, em dias de 45 graus. Os yazidis, uma comunidade pré-islâmica e etnicamente curda, estão na mesma situação.

Os EUA deverão continuar a bombardear posições dos radicais, enquanto em Bagdad o novo primeiro-ministro, Haider al-Abadi, tenta formar finalmente um governo de unidade. Muitos políticos iraquianos (árabes sunitas e xitas), escrevem os enviados do Guardian, estão meio invejosos meio desconfiados da intervenção de Washington. Afinal, os norte-americanos que vieram em auxílio dos curdos e das minorias, não o fizeram antes, quando os jihadistas estavam em zonas sunitas. A tarefa de Abadi, começar a tentar salvar um país à beira da desintegração, não se avizinha fácil.

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