Maliki sai de cena, UE apoia envio de armas aos curdos para combater jihadistas

Primeiro-ministro cessante do Iraque desistiu de terceiro mandato quando já não tinha ninguém do seu lado. Sunitas apresentam condições para apoiar o governo de Haider Abadi

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França, Itália, Reino Unido já anunciaram a intenção de enviar armas aos peshmerga Safin Hamed/AFP

Abandonado pelos aliados, odiado pelos rivais e visto como o principal obstáculo a qualquer entendimento capaz de unir xiitas, sunitas e curdos iraquianos na batalha contra os radicais do Estado Islâmico (EI), o primeiro-ministro cessante Nouri al-Maliki atirou finalmente a toalha ao chão, aceitando que o próximo governo seja liderado por Haider al-Abadi. Num primeiro sinal de desbloqueio, os líderes sunitas revelaram já as condições em que estão dispostos a colaborar com Bagdad.

Ao mesmo tempo que o imbróglio político começava a desatar-se no Iraque, os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia assumiram uma posição comum de apoio ao envio de armas para as forças do Curdistão iraquiano, depois de duas semanas em que os radicais do Estado Islâmico conseguiram colocar sob ameaça aquela que era até agora uma das regiões mais estáveis do Iraque. A decisão de enviar armas cabe a cada um dos Vinte e Oito, mas “a UE saúda o facto de que alguns países vão responder favoravelmente ao pedido das forças de segurança curdas”, disse o chefe da diplomacia alemã, Frank-Walter Steinmeier, no final da reunião de emergência, em Bruxelas.

A França e Itália foram os primeiros países europeus a anunciar que iriam enviar material bélico para os peshmerga, uma força experiente e disciplinada, mas com armamento antigo incapaz de rivalizar com aquele que os jihadistas adquiriram na Síria ou roubaram ao Exército iraquiano. Londres anunciou também que vai “responder favoravelmente a qualquer pedido de envio de armas”. E a própria Alemanha, habitualmente muito reticente em tomar parte activa num conflito, não exclui apossibilidade. “Numa situação como esta não podemos simplesmente aplaudir o apoio aéreo dado pelos EUA para travar o avanço do EI ou limitarmo-nos a elogiar a luta corajosa das forças curdas”, disse Steinmeier, revelando que vai visitar o Iraque nos próximos dias e que, face aos pedidos que lhe forem feitos, Berlim irá até ao limite do que é “legal e politicamente possível”.

Até há pouco, os europeus mostravam-se reticentes em colocar armas nas mãos dos peshmerga, receando dar um novo impulso às aspirações de independência dos curdos. Mas o argumento perdeu peso face ao rápido avanço dos jihadistas que, na sua caminhada, puseram em debandada mais de um milhão de pessoas e cometeram todo o tipo de atrocidades contra xiitas, cristãos, turcomenos, yazidis. “Não nos podemos limitar a olhar enquanto há pessoas a ser chacinadas”, sublinhou Steinmeier.

Apesar deste “forte sinal político”, como lhe chamou um diplomata ouvido pela AFP, dificilmente as armas europeias serão suficientes para travar caminho ao EI, alertou Julien Barnes-Dacey, do European Council on Foreign Relations, sublinhando que o grande objectivo dos jihadistas não é o Curdistão, mas Bagdad e a maioria xiita que governa o Iraque. “Uma estratégia para derrotar os jihadistas só acontecerá quando houver um acordo político em Bagdad que inclua os sunitas numa muito necessária coligação contra o EI”, sublinha o analista.

Maliki sai, sunitas apresentam condições
Um cenário que se torna mais provável com a saída de cena de Maliki, o xiita que dominou a política iraquiana dos últimos oito anos, acumulando poder à custa de políticas que ostracizaram os sunitas e deixaram os curdos de costas voltadas a Bagdad. “Anuncio que retiro a minha candidatura em favor do irmão Haider al-Abadi, para facilitar a formação de um novo governo”, declarou Maliki, que surgiu ao lado do primeiro-ministro indigitado.

A coligação de Maliki foi a mais votada nas eleições de 30 de Abril e ainda na quarta-feira o primeiro-ministro cessante anunciava que iria apresentar um recurso ao Tribunal Federal contra a escolha “ilegítima” de Abadi, seu correligionário, mas tido como mais pragmático e dialogante. Apesar do finca-pé, o primeiro-ministro foi ficando cada vez mais isolado. Depois dos EUA, perdeu o apoio do ayatollah Ali al-Sistani, principal líder xiita e figura central da política iraquiana, do seu próprio partido e, por fim, do Irão, o grande aliado internacional.

Com a desistência de Maliki desaparece o fantasma de uma intentona em Bagdad – o primeiro-ministro cessante detém forte influência sobre o Exército e várias milícias xiitas – e aceleram-se as discussões para a formação de um novo governo. “Podemos ultrapassar as divisões. Não farei promessas irrealistas, mas comprometo-me a fazer o meu melhor para servir o povo e a nação”, escreveu Abadi na sua conta no Facebook.

Respondendo ao apelo, os líderes sunitas que se rebelaram contra Bagdad apresentaram já as suas condições. Ali Hatem Suleiman, líder da tribo dominante na província de Anbar, quase totalmente nas mãos do EI, disse estar disposto a trabalhar com Abadi se este se comprometer a respeitar os direitos da minoria sunita e um porta-voz de um grupo que agrega líderes religiosos e tribais da mesma região apresentou mesmo uma lista de exigências, incluindo o fim dos bombardeamentos a cidades sunitas, a retirada das milícias xiitas e uma amnistia aos que foram acusados de terrorismo pelo anterior Governo. Mas em cima da mesa poderá estar também maior autonomia para as regiões sunitas ou a garantia de que ninguém do círculo de Maliki integra o próximo Governo.

Conseguir o apoio dos sunitas é vital para travar a ofensiva dos jihadistas, cuja rapidez ofensiva muito se deve às alianças de conveniência feitas com as tribos do Oeste e Norte do Iraque. Um entendimento de que poderá também depender um reforço do apoio militar prometido a Bagdad por americanos e europeus.

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