EUA voltam a bombardear o Iraque, numa guerra que Obama não queria

Objectivo assumido por Barack Obama é evitar "genocídio" de minorias na região e impedir entrada dos extremistas no Curdistão.

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Obama diz que os "EUA não podem fechar os olhos" à ameaça de "um genocídio" no Iraque Saul Loeb/AFP

Ao fim de meses de incerteza sobre o que fazer para travar o avanço dos extremistas do Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque, o Governo americano tomou uma decisão que abre as portas ao cenário que o próprio Presidente Barack Obama tenta evitar há três anos: o regresso a uma intervenção militar no Iraque.

Na noite de quinta-feira, sem que nada apontasse nesse sentido, Obama anunciou ao país e ao mundo que admitia usar a sua Força Aérea para bombardear os combatentes islamistas, que controlam várias cidades no Norte do Iraque, estão a tentar conquistar o Curdistão iraquiano e ameaçam avançar até Bagdad.

Foram dois os motivos que levaram o Presidente dos EUA a anunciar a possibilidade de ordenar “ataques direccionados” contra os combatentes do EI no Iraque: a possibilidade de estes extremistas conquistarem a cidade de Erbil, capital do Curdistão iraquiano e base para centenas de cidadãos norte-americanos, entre diplomatas e conselheiros militares; e a possibilidade do genocídio da minoria yazidi (uma minoria curda seguidora de uma religião pré-islâmica).

As dúvidas dissiparam-se depois de no último fim-de-semana os jihadistas terem tomado Sinjar, localidade no noroeste do Iraque que é um bastião dos yazidis e de, já na quinta-feira, terem ocupado Qaraqosh, a maior cidade cristã do país, num dia de ofensiva que os aproximou do Curdistão (nordeste) — fotógrafos da Reuters dizem ter visto bandeiras do EI num posto de controlo a apenas 30 minutos de carro de Erbil, a capital da região autónoma. Já esta sexta-feira, responsáveis curdos confirmaram que o EI já controla a barragem de Mossul, no rio Tigre, responsável pelo fornecimento de água e electricidade para uma vasta região do Iraque.


Ninguém sabe ao certo quantos yazidis fugiram para as montanhas de Sinjar, mas o número pode chegar a 40.000, mais de metade das quais serão crianças. Sem poderem descer por causa da ameaça dos extremistas islâmicos – que têm realizado “execuções em massa e escravizado mulheres yazidi”, disse Barack Obama –, estão à mercê da sede e da fome.

“A pedido do Governo iraquiano, demos início a operações para ajudar a salvar civis iraquianos isolados numa montanha. O EI tem lançado uma campanha impiedosa contra iraquianos inocentes, e esses terroristas têm sido particularmente selvagens para com minorias religiosas, incluindo cristão e yazidis”, disse o Presidente dos EUA.

O anúncio de Barack Obama surgiu já depois da concretização do primeiro passo do objectivo humanitário – um avião de transporte militar C-17 e dois C-130 lançaram o equivalente a 20.000 litros de água e 8000 refeições sobre o monte Sinjar, escoltados por dois caças F-18.

A segunda parte da operação – a possibilidade de bombardear os combatentes do EI e, deste modo, lançar o primeiro ataque militar desde a retirada das tropas norte-americanas do país, em 2011 – veio a concretizar-se poucas horas depois da comunicação de Barack Obama, ao fim da manhã desta sexta-feira.

Através da rede social Twitter, o almirante John Kirby, porta-voz do Pentágono, anunciou que “aviões militares dos Estados Unidos lançaram um ataque contra a artilharia do EI”. 

Segundo o responsável norte-americano, os islamistas “dispararam fogo de artilharia contra as forças curdas que estão a defender Erbil, perto de funcionários norte-americanos”.

Ao início da noite, o departamento da Defesa deu conta de uma intensificação da ofensiva, com a realização de dois ataques adicionais, com drones e caças da Marinha, que destruíram uma posição de morteiros e atingiram uma coluna de pelo menos sete veículos dos militantes sunitas, nas proximidades de Erbil. O Pentágono confirmou a morte de combatentes, mas não divulgou o número preciso das vítimas nos ataques.

Erbil, a capital do Curdistão iraquiano, era vista até há pouco tempo como uma fortaleza inexpugnável no meio do terror espalhado pelos extremistas do EI e da sua visão radical da sharia (lei islâmica), mas as movimentações no terreno nos últimos dias vieram alterar essa situação – há menos de duas semanas, na sequência do debate suscitado com o abate do voo MH17 da Malaysia Airlines no Leste da Ucrânia, a companhia aérea Emirates decidiu deixar de sobrevoar o Iraque para os seus destino na Europa, mas manteve os voos para Erbil; nesta quinta-feira, depois da declaração de Barack Obama, a companhia anunciou que essa rota será suspensa a partir de terça-feira.

Tendo baseado uma parte das suas campanhas eleitorais na promessa do fim da intervenção militar norte-americana no Iraque, o Presidente dos Estados Unidos mostrou-se preocupado em justificar os ataques aéreos no Norte do país, prometendo que não está em causa o regresso a uma intervenção em larga escala.

“Sei que muitos de vós estão justificadamente preocupados com a eventualidade de qualquer acção militar americana no Iraque, mesmo que sejam ataques aéreos direccionados. Eu compreendo. Candidatei-me a este cargo, em parte, para pôr fim à nossa guerra no Iraque e receber as nossas tropas de volta a casa, e foi isso que fizemos. Como chefe do Estado-maior, não permitirei que os Estados Unidos sejam arrastados para uma nova guerra no Iraque.”

O que terá levado a Casa Branca a voltar aos combates no Iraque – ainda que limitados e direccionados – foi a sucessão de vitórias dos combatentes do EI sobre os curdos, na última semana.

Se os bombardeamentos norte-americanos vão manter-se limitados e direccionados, ou se a resistência dos islamistas radicais vai obrigar a novos passos que Barack Obama não quer dar, é algo que só o tempo dirá.

Para Phyllis Bennis, analista do Institute for Policy Studies, os EUA acabaram de entrar num “caminho escorregadio”. “Seja o que for que tenhamos aprendido com a ‘guerra estúpida’ do Presidente, é bastante claro que não é possível fazer desaparecer ou derrotar islamistas extremistas à bomba. Cada bomba ajuda a recrutar mais apoiantes”, cita o The New York Times.

No outro extremo estão os senadores republicanos John McCain e Lindsey Graham. Em comunicado, ambos defendem que não só o Presidente Barack Obama fez bem em ordenar ataques aéreos contra o EI no Iraque, como deveria fazer o mesmo na Síria.

Criticando aquilo que definem com uma política de “meias medidas”, McCain e Graham consideram que não é possível conter o EI, por ser uma organização “inerentemente expansionista”, e instam a Casa Branca a ordenar “ataques aéreos contra os líderes, os combatentes e as posições do EI tanto no Iraque como na Síria”.

“Quanto mais tempo demorarmos a agir, pior será a ameaça, como os acontecimentos mais recentes têm mostrado”, afirmam os dois senadores.

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