Três dias de festa e celebração gastronómica à beira-Douro

Festival Yeatman conta com um total de 16 estrelas Michelin entre os chefes participantes. Produtos tradicionais como presunto de bísaro e os ovos-moles de Aveiro pedem também espaço no espectáculo da alta gastronomia.

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Ricardo Costa, chefe do Yeatman e anfitrião da etapa portuense do festival Rota das Estrelas Fernando Veludo/nfactos

É uma cimeira muito especial, aquela que a partir de quinta-feira decorre nas margens do Douro, com o Porto e a Ribeira como pano de fundo. E as conclusões, não é difícil arriscar, só poderão ser de aprovação e satisfação unânime. Não só pela qualidade dos participantes, mas também pelas matérias que serão colocadas em cima da mesa. Literalmente! Ou não estivéssemos a falar do melhor da gastronomia e das artes culinárias.

É pelo terceiro ano consecutivo que o Hotel The Yeatman acolhe a etapa portuense do festival Rota das Estrelas, que associa a generalidade das cozinhas portuguesas que ostentam a distinção estelar do prestigiado Guia Michelin. O festim dura três dias e além de alguns dos mais destacados mestres da vanguarda dos fogões, tem desta vez também como protagonistas alguns dos produtos tradicionais de prestígio, como é o caso do presunto de bísaro ou os ovos-moles de Aveiro, que assim entram na rota da alta gastronomia. Isto a par das três dezenas de produtores de vinhos nacionais, de todas as regiões, que se associam ao evento.

Produtos que serão dados a experimentar não só aos cozinheiros mas também aos participantes, muitos deles oriundos dos mais diversos cantos do mundo. A ideia é que tal como Portugal e a cidade do Porto estão na moda também os produtos da tradição, a gastronomia e os cozinheiros nacionais sejam uma referência para o turismo.

Ao todo, os participantes vão poder saborear os pratos confeccionados por 17 cozinheiros de grande prestígio, 12 dos quais com restaurantes consagrados com as estrelas do Guia Michelin. E, pela primeira vez, o encontro contará com um chefe com três estrelas, Juan Amador, um alemão de ascendência espanhola com restaurante de assinatura na cidade alemã de Mannheim. Todos vão trabalhar com produtos portugueses, com destaque para as variedades de peixe fresco.

“Mais de 80% da matéria-prima que será utilizada é de origem nacional e diria mesmo que uma das razões que mais pesam nos colegas estrangeiros para cá virem é precisamente a oportunidade de poderem conhecer e trabalhar com produtos nacionais, principalmente a variedade de peixes da nossa costa”, garante o anfitrião, Ricardo Costa. O chefe que há três anos reconquistou para o Porto a estrela Michelin que andava arredia há quase quatro décadas destaca também “o ambiente de convívio e camaradagem, a par da oportunidade para trocas de ideias e conhecimentos” que animam estes encontros gastronómicos. Importante é também a descoberta e o contacto com novos produtos, que são hoje uma das vertentes mais valorizadas pelos chefes de vanguarda. Daí o propósito de envolver produtos tão tradicionais como os ovos-moles e o presunto bísaro.

16 estrelas Michelin
Para o público, Ricardo Costa sublinha o facto de num só momento ser possível tomar contacto com diferentes concepções e enquadramentos culinários, podendo ao mesmo tempo saborear alguns dos pratos de cozinheiros que somam entre si 16 estrelas Michelin, e vinhos de 30 produtores nacionais de prestígio.

E é precisamente para proporcionar um mais amplo e profundo contacto que o programa para os três dias se desenvolve em três conceitos diferenciados. Com o jantar À Mesa com os Chefes, na noite de abertura, há mesmo o propósito de sentar os chefes à mesa com a clientela, trocando ideias sobre aquilo que se está a saborear, as técnicas e os produtos, podendo ver-se, numa visita à cozinha, como se faz.

Um menu em que Ricardo Costa tem a companhia de Miguel Vieira – o português que pela primeira vez conquistou uma estrela para a Hungria, no Kostes, em Budapeste; Michek van der Kroft, do T Nonnetje, Harderwijk (Holanda); José António Campoviejo, do El Corral de Indianau, Astúrias; e Jordi Esteve, do Nectari, em Barcelona. Todos têm uma estrela do Guia Michelin.

O segundo dia é de arraial culinário com a Kitchen Party. O propósito é mesmo criar um ambiente de festa gastronómica, com cozinha ao vivo em ambiente festivo, de partilha e interacção, com a possibilidade de provar ao mesmo tempo especialidades de nove cozinheiros de topo. Tudo nos jardins do Yeatman, com vistas únicas sobre o Douro e o Porto, onde os chefes estarão com as suas equipas e um leque de vinhos para harmonização. Aos estrelados da noite anterior junta-se Benoit Sînthon, do Il Gallo d’Oro, Funchal, e os portugueses Henrique Sá Pessoa (Alma, Lisboa), Marlene Vieira (Avenue, Lisboa), Paulo Morais (Umai, Lisboa) e ainda o reconhecido chefe pasteleiro Rui Costa (Marbela, Esposende).

Para o fecho, a concentração de estrelas para um Grand Finale, o jantar mais formal e sofisticado confeccionado por nada menos que oito estrelas Michelin. As três de Juan Amador, mais Dieter Koschina (Vila Joya, Albufeira) e Erlantz Gorostiza (MB Tenerife, Espanha), ambos com duas, e a estrela da casa.

É claro que neste contexto os preços são a condizer, indo dos 99 euros por pessoa da noite de abertura aos 110 da Kitchen Party e 200 do jantar de encerramento. Mas a questão que sobra é saber quanto custaria a cada um sentar-se uma só vez à mesa do restaurante de alguns destes chefes estrelados.

Valores nacionais
Num festival que nestas três edições já reservou um espaço próprio no calendário da alta cozinha, há que sublinhar o destaque que é dado aos valores nacionais. Não só às carnes, peixes e vinhos, mas também referências como o presunto bísaro ou os ovos-moles de Aveiro. Para lá de constituir o primeiro produto de pastelaria a obter a denominação de Indicação Geográfica Protegida (IGP), poucos saberão que “o ovo-mole tem um valor calórico (67 kcal) que equivale ao consumo de um iogurte, quatro bolachas torradas ou um pão e meio”, como explica José Francisco Silva, o esclarecido líder da Associação de Produtores de Ovos Moles de Aveiro e proprietário da Pastelaria Latina, que representará o conhecido doce no festival do Yeatman.

Além de um doceiro que executará ao vivo a receita, para que todos a possam saborear e constatar que leva apenas água, gema de ovo e açúcar, haverá também informação sobre os 500 anos do documento real de D. Manuel I a que ela se refere. “Um doce que já tem pelo menos cinco séculos e vai viver seguramente ainda outro tanto, já que com a certificação foram não só criadas as condições para a protecção da receita como também para lhe acrescentar valor. E a prova é que, mesmo com a crise, a procura tem crescido”, salienta José Francisco Silva.

A par do histórico doce de Aveiro, o chefe do Yeatman fez questão de reservar também espaço para um dos mais reconhecidos chefes pasteleiros do país. Rui Costa, que parece ter tanto de discreto como de talentoso, destaca-se principalmente pelo seu trabalho com chocolate, contabilizando já com várias presenças no top ten em competições mundiais da especialidade.

É no estabelecimento de família, a Pastelaria Marbela, em Esposende, que dá largas a uma criatividade que vai procurar ilustrar neste festival com uma escultura em chocolate alusiva ao fado. “Uma espécie de guitarra estilizada que foi concebida para o campeonato do mundo do ano passado, em Lyon, França, à base de chocolate negro e com incrustações em chocolate branco”, como explicou ao PÚBLICO.

Serão também dele os gelados, “que ainda não estão completamente definidos”, bem como a sobremesa para a Kitchen Party do segundo dia. “Um choux [massa de éclair] cilíndrico ao alto, com cremoso de chocolate e café e uma mousse com infusão de baunilha”, adiantou.

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