Tele-trabalho: Quando o escritório é em casa

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A empresa de António Costa permite-lhe optar um dia por semana, às vezes dois, pelo teletrabalho Nuno Ferreira Santos

Um dia por semana, normalmente às quartas ou quintas-feiras, António Costa poupa-se à viagem de 50 minutos entre casa, na zona de Torres Vedras, e o trabalho, em Oeiras, perto de Lisboa.

Levanta-se cedo, como nos outros dias, e veste-se como se fosse para o escritório, mas com uma excepção: não põe a gravata. "De resto, tenho as mesmas rotinas" - e, depois de as cumprir, isola-se em silêncio numa divisão da casa ("a empregada sabe que não pode usar o aspirador") e liga o computador. Normalmente, acaba por trabalhar mais horas do que faria se tivesse ido para o escritório.

António Costa, 43 anos, trabalha na Oni, uma empresa que arrancou este mês com um programa que permite a alguns trabalhadores optarem por um regime de teletrabalho. O esquema é simples: um dia por semana (às vezes dois) é possível trabalhar remotamente. As segundas e as sextas-feiras são dias proibidos, para evitar fins-de-semana prolongados. Ao todo, cerca de dez por cento dos 280 trabalhadores da Oni ficam um dia por semana em casa.

A experiência de teletrabalho na Oni funciona apenas em “part-time”. Mas, noutras empresas, há quem tenha experimentado trabalhar à distância e não queira agora outra coisa. Com 51 anos, os últimos 27 passados na IBM Portugal, António Santos rendeu-se: "Não sinto necessidade de voltar ao escritório." Hoje, explica, só vai à empresa por uma razão: "Deixar o justificativo das despesas de trabalho." Mas depressa acrescenta: "E também é bom tomar um café com os colegas."

Parte do tempo de trabalho de António Santos é passada em viagens fora do país. Mas as viagens não chegam para tudo e já se habitou a reuniões feitas ao telemóvel e a trabalhar com pessoas cuja cara nunca viu, a não ser em fotografia. "Passo por dia umas seis horas ao telefone. E nessas seis horas falo com colegas de todas as partes do mundo."

Quando não está em viagem, fica em casa, nos arredores de Lisboa. E só vê vantagens: não perde tempo (e paciência) no trânsito, tem mais disponibilidade para a família e até as reuniões por telefone ou videoconferência começam a horas: "Contrariamente ao que acontece nas reuniões presenciais, em que as pessoas vão falando enquanto esperam por alguém, ninguém tem paciência para esperar 15 minutos ao telefone."

Poucos por cá

Profissões como a de tradutor ou jornalista - essencialmente solitárias - já eram facilmente exercidas a partir de casa. Mas os sistemas de chat e de videoconferência, os telemóveis onde é possível aceder ao e-mail e à Web, e a restante parafernália tecnológica comum em muitas empresas de hoje permitem o trabalho fora do escritório. Em Portugal, contudo, a ideia não é popular. Um levantamento feito pela União Europeia em 2005 colocava o país praticamente no fundo da tabela, com pouco mais de três por cento dos trabalhadores a exercerem funções a partir de casa (o que incluía freelancers e trabalhos em part-time). A média europeia ultrapassava então os oito por cento.

Professora no Instituto Superior de Economia e Gestão, Sara Falcão Casaca explica por que muitas empresas estão de pé atrás: "O teletrabalho permanece ainda pouco atractivo para muitos segmentos, que estão apegados a métodos de gestão tradicionais e onde o controlo directo é considerado imprescindível."

Da parte do trabalhador também há obstáculos, sublinha a investigadora. Quem trabalha em regime de freelancing, por exemplo, tem de suportar os custos da ligação à Internet (e, em 2008, 51 por cento dos portugueses que não tinham Internet em casa apontavam como problema o preço da ligação).

Por fim, acrescenta Casaca, homens e mulheres têm motivações diferentes para transformar a casa no local de trabalho: eles procuram "maior eficiência, grande concentração nas tarefas e produtividade"; no caso delas, "a opção pelo trabalho surge claramente após o nascimento dos filhos (e quando estes são pequenos), como uma forma de conciliarem uma actividade remunerada com a possibilidade de estarem próximas das crianças".

Ninguém quis

Não ir para o escritório, passar mais tempo perto da família, ter horários flexíveis - são vantagens apontadas por quem experimentou um regime de teletrabalho. Mas nem sempre isto chega para convencer os funcionários de uma empresa. Foi o que aconteceu na Microsoft.

Há uns anos, a subsidiária portuguesa da Microsoft abriu a possibilidade de trabalho a partir de casa. "Em mais de 350 pessoas, ninguém quis", recorda a directora de relações públicas, Patrícia Fernandes. Como resultado, vigora na empresa uma espécie de trabalho à distância não formalizado e alguns trabalhadores podem estar fora do escritório. Foi ao abrigo desta possibilidade que, o ano passado, Patrícia se fechou em casa durante cinco semanas. O objectivo era preparar a visita a Portugal do presidente da Microsoft, Steve Ballmer.

Nas instalações da empresa Patrícia não conseguia a concentração necessária. Em casa, a produtividade aumentou. Exactamente como aconteceu com António Costa, que aprecia a calma do dia semanal que passa fora das instalações da Oni: "Consigo fazer tudo mais rapidamente e de forma muito mais assertiva. Tenho mais paz de espírito, nada de reuniões a interromper-me. Tenho esta necessidade de alguns períodos de tempo em que possa ter mais serenidade."

De resto, e de forma muito semelhante, ambos apontam como grande vantagem o tempo que se poupa. Patrícia Fernandes: "Não há nenhuma razão que me obrigue a ir ao escritório e poupo o tempo da deslocação. Não tenho interrupções. Almoço mais depressa, porque não tenho de ir a restaurante. Trabalha-se muito mais a partir de casa!" António Calado: "Não saio para almoçar. O dia de trabalho prolonga-se, porque não tenho a pressão de ir para casa ao fim do dia. Trabalho dez horas num dia."

Há, porém, problemas. Um deles, nota Patrícia, é a ausência de convívio com os colegas. "Há uma desintegração, há pequenas coisas que acontecem no escritório e que ficamos sem saber. Perdemos isso tudo."

Sara Falcão Casaca observa que existem "razões culturais que explicam o facto de a maioria dos trabalhadores portugueses valorizar fortemente a possibilidade de estabelecer redes de sociabilidade no local de trabalho". Ora, "o teletrabalho é uma modalidade que está associada a um grande isolamento social e as redes de relacionamento virtuais são vistas como complementares, mas dificilmente como substitutas da riqueza das interacções face a face". Para a directora de comunicação da Microsoft, bastaram cinco semanas em casa para que este fenómeno se tornasse claro: "Eu nunca queria fazer isto a tempo inteiro. A sociabilização do emprego perde-se totalmente."

Questão de disciplina

Há dias em que nem sequer sai do apartamento que partilha com a irmã, no centro de Lisboa. Mas não é por opção. Lúcia Mascarenhas, 26 anos, trabalha para o Instituto Camões, a gerir um curso online de português para estrangeiros. Nem sequer lhe deram a opção de trabalhar nas instalações do instituto, quando, há dois anos, lhe ofereceram o emprego, que consiste em administrar a plataforma do curso, preparar os conteúdos e reunir-se semanalmente com os alunos, através do Skype, um popular serviço de chamadas de voz por Internet.

Para Lúcia, trabalhar exclusivamente a partir de casa tem várias vantagens. Uma delas é poder conciliar o trabalho com outras actividades - eventualmente, diz, até um outro emprego, a dar aulas numa escola de línguas, por exemplo. Mas esta modalidade também tem inconvenientes: a falta de contacto com outras pessoas, a inexistência de controlo, a ausência de divisão entre um espaço pessoal e um espaço profissional.

Lúcia foi "arranjando estratégias" para contornar alguns dos problemas. Uma regra é trabalhar na sala e nunca no quarto. Outra é assegurar a disciplina. "Quando se trabalha em casa, há a tendência para se dizer "Já vou trabalhar" e liga-se a televisão ou vai-se tomar um café." E, por fim, faz questão de manter rotinas: "De manhã, tento fazer as rotinas normais [de uma pessoa que sai de casa para trabalhar]. Se não tivermos essas rotinas, não é fácil manter a sanidade."

Também António Santos, da IBM, concorda com a necessidade de regras: "É importante nestas coisas manter uma disciplina, não podemos deixar que o ambiente familiar colida com o ambiente profissional." E António Costa, da Oni, resume o problema: "É preciso ter cuidado. O teletrabalho é sem sombra de dúvida mais produtivo. Mas pode descambar."

Os dias de trabalho de Lúcia estão longe de ser curtos. Em média, seis a oito horas por dia. Por vezes, mais. "Houve alturas em que nem meia hora tinha para almoçar." Ainda assim, no caso de Lúcia, o teletrabalho tem outro problema: "Às vezes, perguntam-me se não quero arranjar um emprego a sério."

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