Rui Ramos: “A Gulbenkian em Paris entrou na fase de debater o mundo”

O historiador estudou o passado da fundação em Paris; Eduardo Lourenço diz que são precisas novas acções, e lembra que “Camões e Pessoa chegam para o mundo inteiro”.

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Historiador Rui Ramos Nuno Ferreira Santos

O título é já uma revelação do objecto deste trabalho. Quando Portugal Falava Francês é o ensaio com que Rui Ramos faz a história do centro cultural da Fundação Gulbenkian em Paris, agora que estão a ser assinalados os 50 anos da sua instalação.

O autor explicou, na apresentação pública que fez na terça-feira na capital francesa, que o título lhe fora sugerido pelo do livro do historiador francês Marc Fumaroli, Quand l’Europe Parlait Français, que abordava a realidade do século XVIII. Actualmente, já nem a Europa nem Portugal falam francês. Se esta é uma realidade de todos conhecida, a história do meio século da actualmente designada Delegação em França da Fundação Gulbenkian permite entender a evolução das relações culturais entre os dois países nesse período.

Numa pequena conversa com o PÚBLICO antes da sessão em Paris, Rui Ramos explicou que, ao contrário da ideia feita de que aquela era uma história de grande fluidez e continuidade, e apesar do desfasamento com que a Gulbenkian ia reagindo aos factos históricos, houve fases bem diferenciadas nesse percurso. A primeira, nas décadas de 1960/70, a que chama a “fase universitária”, foi muito marcada pelo “apoio ao lusitanismo universitário, àqueles que na Universidade estudavam Portugal, e estudavam sobretudo a época dos Descobrimentos, o tempo de Camões”, aquilo que então se acreditava ser “a alta cultura”.

Nos aos 80/90, a Gulbenkian entrou na “fase cultural”, mesmo se com algum atraso em relação a dois factos históricos marcantes nos dois países: o Maio de 68 e o 25 de Abril de 74 – e Rui Ramos lembrou, na sessão, o episódio quase anedótico ocorrido a seguir à Revolução, quando, enquanto Jean-Paul Sartre visitava Portugal a contactar directamente com os militares de Abril, o centro cultural celebrava em França… o quinto centenário da morte de Damião de Góis.

Rui Ramos vê a delegação da fundação agora virada para a “fase internacional”. De certo modo coincidente com a mudança de instalações da antiga residência de Calouste Gulbenkian para o actual edifício no Bd. de la Tour-Maubourg, verificada em 2011, “hoje a delegação em França corresponde mais a uma ideia de uma fundação internacional, que se quer situar dentro das várias correntes e dos grandes debates do mundo contemporâneo”, diz o historiador, citando, como exemplo, o ciclo de conferências e debates que vai ser lançado no próximo dia 21, sob o tema Tout se transforme.

Depois desta primeira “brochura”, Rui Ramos prevê lançar o seu estudo definitivo no início do próximo ano, depois de ter acesso aos arquivos do velho centro cultural que foram transferidos para Lisboa e estão ainda a ser tratados. “Mas as principais ideias já estão aqui”, diz o autor de Quando Portugal Falava Francês.

Uma das presenças mais notadas, e assinaladas, na cerimónia de Paris foi a de Eduardo Lourenço, que Artur Santos Silva saudou como “a nossa grande referência do pensamento, em Portugal e em França”. No final da sessão, respondendo a uma questão do PÚBLICO sobre como vê o papel futuro da Gulbenkian em Paris, o filósofo lembra que “uma fundação não vive apenas do consumo, puramente quase de segundo grau, das coisas literárias e científicas”. Acha que são “também precisas acções, auto-publicitárias, que tenham impacto em função dos mitos que funcionam na nossa sociedade desestruturada e caótica”. Não chega ficar pelas “celebrações, mais ou menos extraordinárias”, acrescenta Lourenço. E salienta que um país que tem um Camões e um Pessoa “não precisa de carta de apresentação de ninguém para estar na Europa e no mundo – eles chegam para o mundo inteiro”.

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