ERSE quer evitar que Galp exija aos consumidores devolução de 150 milhões

Regulador defende descida dos preços do gás natural e quer criar solução que impeça Galp de recuperar nas tarifas o montante da contribuição extraordinária.

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Galp tem até 30 de Maio para pagar 50 milhões da taxa extraordinária sobre os contratos de gás Joana Camões/Arquivo

A Entidade Reguladora para os Serviços Energéticos (ERSE) quer garantir que mesmo que a Galp conteste em tribunal a taxa extraordinária de 150 milhões de euros aplicada aos seus contratos de importação de gás natural, e ganhe, os consumidores não vão ser obrigados a devolver futuramente esta quantia nas suas facturas mensais. A contribuição extraordinária de 50 milhões de euros anuais a aplicar à Galp até 2017 foi anunciada pelo Governo em Janeiro e aprovada na Assembleia da República na semana passada. Com ela, o ministro da Energia quer que as tarifas de gás natural desçam entre 3% a 5% para os consumidores domésticos e industriais (que concentram a fatia de leão do consumo de gás) já a partir de Abril, quando a ERSE efectuar a próxima revisão tarifária.

“Certamente que nós, no dia 15 de Abril, iremos apresentar a nossa proposta de tarifas e, nesse momento, iremos também explicitar a metodologia que iremos adoptar para que essa possibilidade, a de que haja desvios associados à aplicação dessa lei, não possa existir”, disse Vitor Santos esta quinta-feira, à margem de um encontro com a imprensa para apresentar novas iniciativas no âmbito da defesa dos consumidores.

“Vamos apresentar uma solução que blinde essa situação e que não crie ónus para mais tarde”, garantiu o regulador a propósito da possibilidade de a Galp recorrer a tribunal para ser ressarcida e ser-lhe dada razão. Escusou-se, no entanto, a adiantar mais detalhes. “Faz todo o sentido que haja partilha de benefícios relativamente à venda dos excedentes desses contratos”, disse Vítor Santos, lembrando que essa já tinha sido a posição defendida pela entidade reguladora em 2006, quando o mercado do gás foi reestruturado e a actividade de transporte passou para a REN, ficando a Galp com a distribuição e a comercialização. Nessa ocasião, a empresa conseguiu manter na sua esfera os contratos de aprovisionamento de longo prazo com a Argélia e a Nigéria, os chamados contratos take or pay.

“Em 2006, chegámos a publicar regulamentos que defendiam esse perspectiva, depois houve a publicação de um decreto-lei e a modificação de um contrato de concessão que contrariou essa posição”, lembrou Vítor Santos. Face aos diplomas publicados pelo então ministro da Economia, Manuel Pinho, a ERSE (à data presidida por Jorge Vasconcelos) foi forçada a alterar os seus regulamentos, mas a posição actual "mantém-se a mesma que em 2006", assegurou o actual presidente. Esta posição foi, aliás, defendida num parecer enviado pela ERSE à Assembleia da República no processo de aprovação da proposta do Governo.

Sobre o montante em cima da mesa (50 milhões por ano, a pagar em três anos, até 30 de Maio) o presidente da ERSE reconheceu que “são valores que assentam em estimativas e é sempre possível chegar a diferentes cenários para essas situações”. Mas o que “é importante para esta matéria é que, tendo havido de facto venda de excedentes e não tendo os consumidores beneficiados dessa situação, que de alguma maneira o possam ser”. Daí que a ERSE considere que os 150 milhões de euros são “um valor de referência que parece aceitável”. “Estamos absolutamente de acordo com o processo de partilha de benefícios”, reafirmou o regulador.

Os contratos take or pay implicam que a Galp compre as quantidades pré-estabelecidas aos seus fornecedores, mesmo que não tenha procura. Quando o consumo de gás em Portugal começou a diminuir, a empresa liderada por Ferreira de Oliveira desviou estes excedentes para os mercados asiáticos, onde a procura aumentava, enquanto os preços subiam nos mercados internacionais. É nas mais-valias geradas neste processo que o Governo (e o regulador) vêem os benefícios que a Galp não partilhou com os consumidores, pelos contratos que assinou enquanto ainda era a incumbente.

No diploma que incluiu estes contratos de longo prazo na lista de activos sob os quais incide a contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE), refere-se que a Galp só será compensada com os chamados ajustamentos tarifários positivos (os montantes que a empresa tem direito a receber a cada revisão trimestral das tarifas para acautelar desvios de mercado) se pagar a CESE.

O direito de receber, através das tarifas de gás natural, o montante dos ajustamentos tarifários referentes a anos anteriores, definidos para efeitos de sustentabilidade de mercados e dos encargos financeiros associados devidos à entidade titular da licença de comercialização de último recurso grossista de gás natural […] fica condicionado ao pagamento integral” da CESE, diz o documento.

Na sua proposta de lei, o Governo recordava que a extensão da CESE aos contratos de gás reconhecia "as condições vantajosas inerentes à atribuição, pelo Estado, do título que habilita [à Galp] o exercício da actividade em causa e, logo, da detenção dos mencionados contratos e os benefícios daí decorrentes”.

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