Carlos Costa encaminha para a CMVM lesados com papel comercial do GES

Clientes queixam-se de ter perdido poupanças de toda a vida.

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Ricardo Ângelo, da Associação de Defesa dos Clientes Bancários Lesados Daniel rocha

O governador do Banco de Portugal (BdP) escreveu nesta quinta-feira ao presidente da CMVM indicando que as queixas que tem recebido sobre clientes do Grupo Espírito Santo (GES) lesados no papel comercial devem ser respondidas pela entidade liderada por Carlos Tavares.

"Não estando em causa um produto bancário, mas sim a aplicação de fundos de clientes num certo tipo de instrumentos financeiros (…) consideramos dever continuar a encaminhar para V. Exas., como aliás tem sido prática até ao momento, futuras reclamações que venham a ser apresentadas por detentores de papel comercial emitido por entidades não financeiras do GES", escreve o governador Carlos Costa, numa carta a que a agência Lusa teve acesso. A nota foi enviada nesta quinta-feira ao presidente da CMVM, Carlos Tavares, e dela foi dado conhecimento à comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES e do GES.

O governador sublinha que da medida de resolução, que dividiu o banco em dois, resulta que "apenas seriam transferidos para o Novo Banco eventuais créditos não subordinados (…) relativamente aos quais o BES, enquanto intermediário financeiro, tivesse dado uma garantia de reembolso do capital, ou do capital e de uma certa rendibilidade". Nesse sentido, prossegue Carlos Costa, a "evidência até agora recolhida" indica "que os títulos de dívida emitidos por entidades do ramo não financeiro do GES" nomeadamente no que ao papel comercial diz respeito, "não beneficiavam de qualquer garantia daquele tipo".

Por seu lado, no Parlamento, um dos representante dos clientes lesados queixou-se tanto do banco, como do supervisor. “Admira-me como é que o doutor Ricardo Salgado e o senhor governador [Carlos Costa] ainda conseguem dormir. O BES já não conseguia pagar esta dívida e passaram-na para os clientes”, afirmou Ricardo Ângelo, presidente da Associação de Defesa dos Clientes Bancários Lesados, citado pela Lusa.

Ouvido naquela comissão de inquérito, Ricardo Ângelo relatou aos deputados haver situações de pessoas que perderam todo o dinheiro e que não foram avisadas dos riscos associados Às aplicações financeiras. "Representamos cerca de 500 pessoas. Há pessoas que têm dificuldade em pagar uma quota de 50 euros e não têm dinheiro para viver. São pessoas que perderam tudo fruto do sistema bancário e não haver uma vigilância correta", acusou.

Entre 60% e 70% dos clientes lesados que se juntaram à associação são reformados. Segundo Ricardo Ângelo, os idosos que tinham poupanças e eram clientes do BES foram alvo principal de uma "campanha agressiva" para investirem nestas aplicações – papel comercial da Espírito Santo International (ESI), Rioforte e ESPART –, sem fazerem ideia de que eram produtos com risco. "Isto é quase criminoso. O perfil dos clientes lesados é conservador. Nunca foi dito que havia risco. E há pessoas que puseram o dinheiro todo. Se dissessem que havia risco, nunca ninguém ia por o dinheiro todo", apontou Ângelo.

Questionado sobre o papel dos gestores de conta, o responsável disse que os mesmos foram "manietados" pelo BES e pelo Banco de Portugal. "O produto nunca poderia ter chegado a nós", realçou. E reforçou: "Meteram-nos uma cenoura à frente dos olhos, quando o Banco de Portugal disse que havia uma provisão para pagar aos clientes do papel comercial. E agora vem dizer que não existe dinheiro para nos pagar?".

Ricardo Ângelo salientou ainda que os produtos subscritos ofereciam uma "taxa líquida de dois e tal por cento", explicando que ninguém iria investir as poupanças de uma vida num produto destes, desde que estivesse ciente que tinha risco de perda de capital. "Não fomos gananciosos", frisou.

Por seu lado, o presidente da Associação de Defesa dos Clientes Bancários, Luís Vieira, queixou-se, também no Parlamento, a recente mudança de postura do presidente do Novo Banco, de Eduardo Stock da Cunha. "Houve uma mudança de atitude [da administração liderada por Stock da Cunha]. Até princípios de Janeiro, davam-nos a entender que estavam disponíveis para dialogar. Mas, desde então, as coisas mudaram", afirmou. "Foi-nos dito que ia haver uma solução, não qual. Agora, acreditando no que foi dito na sexta-feira 13 [comunicado do Banco de Portugal], não vão pagar nada".

Luís Vieira queixou-se aos deputados que, nas últimas semanas, "a informação tem sido praticamente nula", apontando o dedo ao Novo Banco, ao Banco de Portugal e à CMVM. E realçou: "É muito difícil explicar isto aos associados, que há pouco tempo continuavam a ver os balcões com a marca BES [Banco Espírito Santo] e tinham garantias dos funcionários do BES que iam ser reembolsados, e agora nem sequer querem falar com eles".

O representante dos clientes vincou que o papel comercial das holdings do Grupo Espírito Santo  "sempre foi apresentado às pessoas como produto Espírito Santo". Salientou também que um dos argumentos usados pelos funcionários do BES que venderam estes produtos era que o banco tinha sido o único dos grandes bancos portugueses que não tinha recorrido à ajuda da troika, minimizando o risco das aplicações subscritas pelos clientes, que tinham, segundo Luís Vieira, um perfil de investimento "conservador e ultra conservador".

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