A “deterioração significativa” das relações entre a PwC e o GES foi o alerta que ninguém viu

Há 14 anos, a auditora e o grupo Espírito Santo rescindiram “por mútuo acordo”. “A não existência de contas consolidadas da ESI” e a excessiva “concentração de poder em Ricardo Salgado” eram as queixas da PWC que geraram “imensas tensões” com a administração do grupo.

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José Alves (esquerda), da PwC, confirmou que os problemas do GES/BES não eram de agora Nuno Ferreira Santos

José Alves esteve três horas e meia a responder aos deputados. Nem foi muito, se pensarmos nos vários momentos em que a auditora a que preside se relacionou com os factos que a comissão de inquérito investiga: Auditou o BES e sociedades do GES até 2001; Participou no Exercício Transversal de Revisão das Imparidades dos Créditos Concedidos (ETRICC 2) onde se revelaram os problemas de ocultação de prejuízos na Espírito Santo Internacional (ESI); Auditou o “esquema Eurofin” com as obrigações do BES, causa próxima para o colapso e a resolução do banco; Foi contratada pela PT para investigar os investimentos de tesouraria da telefónica no BES/GES.

Mas só a primeira de todas estas qualidades em que a PwC se relacionou com o BES daria para uma audição inteira. É que, há 14 anos, em 2001, a auditora resolveu pôr fim a uma relação que já vinha de 1992. Não sem que antes deixasse escrito, em relatórios diversos, que o banco tinha problemas sérios. Um deles era o “crédito concedido a entidades não residentes, cujos activos consistiam, essencialmente, em participações de capital no Banco Espírito Santo, na Portugal Telecom e na PT Multimédia”. Na sua intervenção inicial, José Alves reconheceu que “a existência dessas entidades, não residentes [offshore], deixaram-nos dúvidas quanto à possibilidade de poderem ser investimentos do próprio banco”. Ou seja, o BES usava offshores a quem emprestava dinheiro, para investir em si mesmo, e em empresas nas quais tinha interesses directos.

Além de expor este caso aos reguladores (Banco de Portugal e CMVM), a PwC encontrou ainda duas preocupações que estiveram na base da maioria dos problemas que levaram à falência do GES: “A não existência de contas consolidadas da ESI” e a excessiva “concentração de poder em Ricardo Salgado”, segundo relatou aos deputados José Alves.

E não se pense que estes eram casos menores. Estas eram as “duas razões que levariam [a PwC], no limite, a resignar” à sua função de auditora no Grupo Espírito Santo. “Sendo certo que a nossa cessação de funções enquanto auditores foi acordada com o Banco Espírito Santo, também se tornou claro para a PwC Portugal que a mesma decisão teria sido tomada caso não houvesse o mútuo acordo com o banco. Esta posição já tinha sido decidida ao mais alto nível pela firma”, esclareceu o responsável.

Disso tudo deu conta, afiança, aos seus “sucessores”, a auditora KPMG, que assumiu nessa altura, e até ao fim, o papel de revisor oficial de contas do BES. A PwC decidiu então “alertar o novo auditor para um conjunto de situações que, no nosso entender, poderiam ser relevantes para o processo de aceitação dessa responsabilidade por parte da KPMG”.

A PwC saiu do BES, mas os problemas continuaram… João Galamba, do PS, confrontou o auditor com a situação: “Não acha que tinha o dever de estender o raciocínio ao País e ao sistema financeiro. Não digo dar uma conferência de imprensa, mas pelo menos comunicar ao BdP?” A resposta foi legalista: “Aquilo que é comunicável ao BdP está regulado por lei.”

O mesmo tipo de resposta foi usado para outro assunto. A PwC foi contratada, em Agosto passado, pela administração da PT para avaliar os investimentos de tesouraria da telefónica no GES - sobretudo os 900 milhões investidos na Rio Forte, falida. No seu relatório existia um capítulo sobre as responsabilidades jurídicas dos quadros da PT nessa situação. A PT ordenou que essa informação saísse, e PwC acatou. O deputado Duarte Marques, PSD, questionou José Alves sobre o assunto. A resposta foi: “Houve da nossa parte uma interpretação extensiva, potencialmente abusiva. Tendo o cliente clarificado quais eram os termos do trabalho, automaticamente acabámos por retirar do nosso relatório aquilo que, de acordo com o cliente, nunca lá devia ter estado.”

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