Uma reforma para reformar a reforma

É impressionante a energia e os meios que se desperdiçam para fazer e desfazer reformas.

Os partidos da maioria parlamentar apresentaram esta semana um conjunto de alterações à reforma do IRS. PSD e CDS apresentaram nem mais, nem menos do que 37 propostas de alteração à reforma do IRS que na prática significam desfazer quase toda a reforma que anteriormente havia sido apresentada pelo Governo que é suportado por essa mesma maioria.    

Os deputados da maioria, por exemplo, querem manter as deduções à colecta dos encargos com imóveis, PPR, seguros de saúde e lares em sede de IRS, tal como já existe hoje em dia, mas ao contrário daquilo que propunha o Governo.

O Governo também tinha sugerido, na proposta já aprovada na generalidade, que deixassem de existir limites às deduções à colecta, algo que agora PSD/CDS-PP vêm propor repor, com o tecto a variar em função do rendimento colectável das famílias.

Na educação já perdemos conta dos avanços e recuos em termos de alterações ao IRS. Primeiro o Governo propôs acabar com as deduções de educação. Depois resolveu recuperar as despesas da educação, mas como um abatimento ao rendimento. Agora volta atrás e volta a considerar a educação com uma dedução à colecta, vá-se lá perceber porquê.

Da reforma inicial sobra o quociente familiar. Mesmo assim não deixa de ser bizarro que secretário de Estado do Assuntos Fiscais tenha classificado as alterações feitas pela maioria como sendo “um passo em frente”. É caso para perguntar: em frente? Paulo Núncio diz ainda que o recuo da maioria e do Governo pretende ir ao encontro das preocupações manifestadas pelos socialistas. Mas também é estranho que o Governo faça um sem-número de alterações e não mexa no quociente familiar, a maior das reivindicações do PS.

A maioria não apresentou nenhuma proposta para alterar a substituição do actual quociente conjugal por um quociente familiar, que atribuirá uma ponderação de 0,3 pontos por cada dependente do agregado familiar no cálculo do rendimento colectável. Já o PS argumenta, aparentemente com alguma razão, que o conceito do quociente familiar favorece as famílias com maior rendimento. “A proposta do Governo e da maioria reconhece os filhos através do rendimento dos pais. O filho de um rico vale mais do que o de um pobre”, disse João Galamba para justificar a intransigência do PS em relação à aprovação da reforma do IRS.

Se o Governo não recua ou não ajusta o conceito do quociente familiar, a pergunta que fica é: por que voltou atrás nas deduções à colecta? Porque assim também consegue voltar atrás com a cláusula de salvaguarda, um mecanismo inventado à pressa e que iria dar aos contribuintes a possibilidade de optarem pelo regime em vigor em 2014 ou pelo novo regime. Esta aberração fiscal iria implicar calcular duas vezes o imposto para cada contribuinte e, com este recuo, em nome do consenso político, o Governo volta atrás num mecanismo que tinha tudo para ser desastroso. Ainda bem que assim foi.

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