Reprises, pornografia, indianos e fantástico: as muitas vidas do Ideal num novo livro

Maria do Carmo Piçarra investigou a história do cinema do Loreto desde o início do século XX.

No início – estávamos em 1904 – o pomposamente chamado Salão Ideal era apenas um antigo armazém de vinhos adaptado a sala de projecção de cinema.

Era o tempo em que este era ainda um espectáculo popular, de feiras. O Ideal mostrava-se também em barraquinhas de feira, mas, além disso, abriu na Rua do Loreto aquela que foi a primeira sala dedicada exclusivamente à projecção de filmes. A história deste cinema, agora a ser recuperado, é contada por Maria do Carmo Piçarra num livro que acaba de ser lançado, O Cinema Ideal e a Casa da Imprensa

As condições não seriam muito boas nesse primeiro salão, que mais tarde mudou de nome para Cinema Ideal. “Não havia cabine de projecção, nem bombeiros, nem casa-de-banho”, conta a autora. Quando se deu o boom das salas de cinema, o Ideal começou rapidamente a entrar em decadência. Tornou-se o “cinema de reprise por excelência”, como era apresentado nos jornais. 

Um dos seus proprietários era Júlio Costa, que criou o Animatógrafo Falado – quem estava por detrás do ecrã, lendo as falas que grande parte do público certamente não conseguiria ler, eram os bombeiros voluntários da Ajuda, com o seu chefe, António Silva. E assim o futuro actor das comédias portuguesas começou a sua carreira como amador no Animatógrafo Falado, onde fazia já um enorme sucesso, revela o livro de Maria do Carmo Piçarra. 

O público habitual da sala eram os ardinas do Bairro Alto que, conta ainda a autora, por vezes se sentavam aos pares na mesma cadeira para poupar – o  Ideal era então mais conhecido como o Piolho do Loreto. E, o que também é revelador do tipo de clientela, a casa-de-banho para senhoras só foi construída em 1945.

A partir dos anos 70, passou a exibir filmes pornográficos, que intercalaram, em diferentes fases, com cinema indiano, e com fantástico (chegou a haver um acordo com o Fantasporto). As tentativas feitas para tentar melhorar a programação fracassaram.

Negociada a saída da empresa que explorava a sala, a Casa da Imprensa, proprietária do espaço, aposta agora na renovação com a Associação Cultural Cinema Ideal. Começa assim uma nova vida para a mais antiga sala de cinema de Lisboa. 


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