Bailarina principal do Bolshoi sofre ameaças e abandona Rússia

Svetlana Lunkina acusa um parceiro de negócios do marido, o produtor Vladislav Moskalyev, de estar por trás das ameaças. Mudar-se-á para o Canadá até ao final da temporada do Bolshoi.

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Svetlana Lunkina tem 33 anos e é bailarina do Bolshoi desde 1997 AFP

A turbulência em redor do Teatro Bolshoi, na sequência do ataque com ácido ao seu director, Serguei Filin, a 17 de Janeiro, continua. Num caso não relacionado, foi anunciada terça-feira a saída de uma das suas bailarinas. No mesmo dia, o director-geral Anatoly Iksanov declarava que "o mal entrou no Bolshoi".

O ataque ao director do Ballet Bolshoi, Serguei Filin, a 17 de Janeiro, expôs perante todos a turbulência, competição e ódios dos bastidores de uma das mais importantes companhias de ballet do mundo. Desde então, enquanto os detectives policiais continuam a investigar o caso no interior do teatro, e enquanto Filin continua a difícil recuperação do ataque com ácido que lhe pôs em risco a visão, novos casos continuam a emergir. O mais recente surgiu terça-feira. Svetlana Lunkina, uma das bailarinas principais da companhia, anunciou o seu abandono até ao final da temporada e a mudança para o Canadá. Justificou a decisão com as ameaças de que tem sido alvo por parte de representantes de um parceiro de negócios do seu marido, o produtor Vladislav Moskalyev.

“Temos que reagir a estas ameaças”, declarou em entrevista ao diário russo Izvestia. “Estas pessoas não têm o direito de interferir nas nossas vidas privadas ou na minha actividade profissional”. O Izvestia aponta que Lunkina, 33 anos e bailarina do Bolshoi desde 1997, tem passado os últimos seis meses ausente da Rússia e que não existirá ligação entre as ameaças e o ataque ao director do ballet. Segundo a AFP, aquelas terão surgido na sequência do envolvimento do marido de Lunkina na produção de um filme sobre uma lendária bailarina russa, Matilda Kshesinskaya, prima ballerina do Teatro Imperial de São Petersburgo no final do século XIX e figura controversa pelas suas relações na corte russa. Vladislav Moskalyev foi entretanto afastado do projecto e enfrenta neste momento um processo em tribunal que lhe pode custar cerca de 2,7 milhões de euros. Queixando-se da falta de apoio por parte da estrutura dirigente do Bolshoi, Lunkina lamenta: “Era suposto estar a fazer tanto trabalho interessante, tantas estreias”. Uma delas seria um novo projecto do coreógrafo britânico Wayne McGregor. “Esperava-o há anos”, disse Lunkina ao Izvestia.

O abandono de uma das suas principais bailarinas foi mais um sinal das convulsões por que passa actualmente o Bolshoi. Do hospital moscovita em que se encontra, Serguei Filin, que já foi submetido a várias operações para recuperar a visão e que na próxima semana continuará tratamento na Alemanha, em Aachen, exortou os seus bailarinos a esquecerem os problemas e a concentrarem-se em “dançar, dançar, dançar”. Uma reportagem no New York Times, publicada terça-feira, relatava que é precisamente isso que os bailarinos têm feito. Acompanham as notícias e os especiais televisivos, lêem o que publicam os jornais, onde o caso é seguido com destaque, e depois “desligam o interruptor”. Dançam, como pedira Filin. Falamos, afinal, de uma companhia com mais de dois séculos de história que sempre soube sobreviver às contrariedades, como três incêndios, um deles durante a invasão de Napoleão. Este caso, porém, é diferente.

“O mal entrou no Bolshoi”, titula quarta-feira o britânico Telegraph. A frase é de Anatoly Iksanov, director-geral do teatro. Não aponta culpados em relação ao ataque ao seu director de ballet. “Quem o fez [o ataque a Filin] e porque o fez, só o inquérito policial poderá responder. Há muitas versões, mas não penso que esteja relacionado com questões financeiras. Que tipo de vantagem financeira poderia conduzir a uma situação deste tipo?”, questionou. “Filin não é um homem rico, portanto a hipótese financeira pode ser posta de lado”. O que conduz, como hipótese de móbil do crime,  às relações profissionais no interior do teatro e à competição feroz ali existente. Iksanov lança o nome de Nikolai Tsiskaridze, 39 anos, bailarino principal do Bolshoi abertamente crítico da direcção do teatro e do ballet desde a nomeação de Filin - Tsiskaridze aspirava a estar hoje no lugar do actual director de ballet.

O director geral do teatro não se coíbe de o atacar ferozmente. “Tsiskaridze é como um abcesso. Fala mal, para todo o mundo, da sua casa, aquela que fez dele uma estrela. Nunca pára de o fazer e nunca parará. Sem qualquer reacção ou castigo, é livre para fazer o que quer e cria um ambiente pouco saudável no interior da companhia”, declarou ao Telegraph. “Não tenho medo de o afirmar”, acrescenta, “porque, agora, o mal apareceu aqui”.

Nikolai Tsiskaridze, que condenou publicamente o ataque a Filin, não se mostra preocupado com uma possível acusação. Disse ao New York Times ter um “álibi de ferro”. Na noite do ataque, participava numa gala no Teatro de Arte de Moscovo, tal como Serguei Filin, mas este abandonou-o cerca das 23h, sendo depois atacado à porta de sua casa. Quando isso aconteceu, Tsiskaridze continuava na gala, como pode ser comprovado, alega, pelas câmaras de vigilância no local. De facto, ninguém acusa directamente o bailarino pelo ataque. A imprensa russa, no entanto, tem insistido nessa pista. Os bailarinos do Bolshoi são vistos e adorados como verdadeiras estrelas pop e Tsiskaride é um dos maiores. Poderá ser um dos seus fãs o responsável?, pergunta o Telegraph.
 
 
 

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