O futuro da EDP Renováveis nos EUA está no "museu do vento"

No condado de Kern, Califórnia, há uma zona enquadrada por montanhas e pelo mar que é a mais ventosa de todo o território norte-americano. Por isso mesmo, é aqui que se concentra a maior potência instalada, com a turbinas da EDP Renováveis a destacaram-se ao longo de 3500 hectares.

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Adriano Miranda

Se não tivesse entrado nos EUA, a EDP Renováveis “tinha crescido menos e estaria a discutir temas mais aborrecidos na Europa, onde há excesso de capacidade e onde os reguladores só são simpáticos quando precisam de investimento”, afirmou o presidente do grupo EDP, António Mexia, numa visita aos novos projectos da empresa no mercado norte-americano: o parque eólico de Rising Tree e a central solar de Lone Valley, ambos no deserto californiano no Mojave.

Hoje, o mercado norte-americano representa um quarto dos resultados operacionais da empresa e “em breve representará um terço”, afirmou o gestor ao PÚBLICO. “É aqui que estará o crescimento nos dois próximos anos”. As Rising Trees, ou Joshua Trees, que se espalham pelo condado de Kern, foram a inspiração para baptizar o novo parque da EDP Renewables North America. Se tudo correr como esperado, em meados de Junho a segunda fase de construção chegará ao fim, adicionando 200 MW de capacidade instalada de produção de energia eólica à empresa

O smartphone diz-nos que o vento sopra a 41/Kmh. E é frio, muito frio. Jim Schroeder, o homem que tem sido responsável pela gestão da construção do parque Rising Tree e supervisiona os vários projectos que a EDP Renováveis tem espalhado pelos diversos Estados norte-americanos, admite que “está uma brisa”.

Com as montanhas de um lado e o oceano do outro, aquele corredor é a zona mais ventosa de todo o território norte-americano e aquela onde se instalaram os primeiros projectos eólicos, no final da década de 70. Por isso lhe chamam também o “museu do vento”: espalhadas numa extensão a perder de vista há mais de 4500 turbinas de várias dimensões e potências que espelham a evolução da tecnologia de produção eólica ao longo das décadas. Algumas estão paradas porque já são tão velhas que deixaram de funcionar, outras têm as pás enferrujadas e um ar decrépito, mas ainda continuam a produzir. Já chegaram a ser 6000, de centenas de produtores diferentes.

É ali, na Techapi Wind Resource Area, que se concentra a maior potência instalada dos Estados Unidos, cerca de 2 gigawatts (2GW). As turbinas da EDP Renováveis, de 3,3 MW, dispersas ao longo de 3500 hectares, são a tecnologia de ponta e as maiores que a Vestas (fabricante dinamarquesa) tem, garante o presidente executivo da EDP Renewables North America (EDPRNA), Gabriel Alonso, numa rápida apresentação à imprensa no Mojave Air and Space Port.

Em velocidade de cruzeiro, o parque estará em condições de produzir 650 GWh por ano, que serão depois vendidos à Southern California Edison, com quem a empresa assegurou um contrato de longo prazo (PPA) de 20 anos, que lhe permitirá receber ao longo desse período um preço fixo pela electricidade vendida.

É energia suficiente para abastecer anualmente as casas de 60 mil famílias norte-americanas e é um exemplo da estratégia seguida pela empresa: assegurar a venda de electricidade a preços fixos por períodos de longos, garantindo previsibilidade ao negócio. “Os EUA são um país onde o retorno dos investimentos é particularmente satisfatório e depende muito menos das alterações das regras do jogo”, disse o presidente do grupo EDP, António Mexia, ao PÚBLICO.

No mercado norte-americano (onde a EDP entrou em 2007, com a compra da Horizon Wind Energy à Goldman Sachs, por 1,6 mil milhões de euros), onde há instrumentos como incentivos fiscais à produção e investimento, “é preciso escolher os sítios certos, arranjar as pessoas, comprar bem as turbinas e fazer bem os contratos, mas quando entramos, sabemos quando e como saímos”, adiantou o gestor.

No parque de Rising Tree, Jim Schroeder, que anda nisto do vento há 30 anos, conta que estava ali na Techapi Wind Resource Area quando, em 1984, a francesa EDF instalou as primeiras turbinas, de 100 KWh. Antes eram o melhor da tecnologia. Agora, com os seus 25 metros, parecem umas anãs ao lado das novas torre da EDP Renováveis, de 95 metros. Leva um dia para montar cada uma delas, “com cinco homens no chão e outros três lá em cima”, explica Jim, à beira de uma das novas 60 turbinas que ainda não está em funcionamento.

É o facto de o vento soprar sempre na mesma direcção, que permite optimizar o funcionamento das turbinas e mantê-las concentradas numa área (3500 hectares) “mais pequena que o habitual para um parque eólico”, explica Gabriel Alonso. Para ali chegar foi preciso negociar com cerca de 250 proprietários a cedência dos terrenos. Muitas visitas, muitos telefonemas, muitas reuniões, garante Alonso. Um processo que se replicou, em menor escala, mais a sul, no condado de San Bernardino, onde a EDP Renováveis construiu no ano passado a sua primeira central solar nos Estados Unidos, com 30 MW. No total, seis mil “mesas” que reúnem 120 mil painéis, com capacidade para produzir energia para o consumo médio de dez mil famílias norte-americanas.

No dia da visita ao parque, o céu alterna períodos de nuvens com abertas e caem pingos grossos de chuva, uma novidade num Estado que tem sido castigado nos últimos meses por uma seca severa. Não parece, mas aqui habitualmente o sol é inclemente.

A construção do parque de 100 hectares demorou dez meses e obrigou a ter em permanência um consultor ambiental, explicou Alonso. Não só foi preciso mudar de local mais de 60 Joshua Trees, como garantir que nada acontecia a uma espécie nativa: as tartarugas do deserto. “Sempre que se descobria uma tinha de se estabelecer um perímetro e garantir que não havia outras”, conta o espanhol, que dirigiu as operações norte-americanas da Gamesa antes de chegar à EDP Renováveis.

Agora cabe-lhe comandar as operações da EDPRNA nos Estados Unidos, Canadá e também no México, mercado em que a EDP Renováveis entrou no ano passado através de um contrato de venda de energia de 25 anos a preço fixo assinado directamente com a empresa mineira Indústria Penoles. Este é, aliás, um modelo de negócio que a EDPRNA (terceira do mercado norte-americano em produção atrás da NextEra e da espanhola Iberdrola) está empenhada em fazer crescer, sabendo que para as empresas é atractivo garantir contratos de longo prazo que reduzam os riscos associados às alterações de preços. Neste momento já há um compromisso assinado com uma empresa norte-americana, mas outros deverão seguir-se.

Será a partir do centro de despacho de Houston, onde a empresa está sedeada, que o funcionamento dos novos projectos californianos (como de todos os outros espalhados pelos diversos Estados, num total de 17 parques) serão monitorizados. É aqui, no sexto e sétimo piso do arranha-céus mais antigo da cidade, que se concentram 200 dos cerca de 330 trabalhadores da EDPRNA, e onde convivem pelo menos 16 nacionalidades. Há americanos, claro, e alguns portugueses e espanhóis. Mas também quem tenha vindo da Ucrânia, do Chile, do Paquistão, da China ou da Turquia. Muitos são filhos de emigrantes.

Exemplo disso é a equipa de quatro pessoas comandada pelo camaronês Cédric Kouam (que veio com os pais para Houston quando era criança), em que três são de ascendência russa, colombiana e indiana. Nesta sala, sempre de olhos postos no hit map (mapa das temperaturas), os colaboradores de Kouam descortinam quais os preços mais atractivos para vender a produção de electricidade no mercado grossista (aquela que não está abrangida pelos PPA). A cor vermelha, e os degradés de laranja e amarelo assinalam os preços mais altos, os de azul, os mais baixos. Quando a oferta supera a procura, podem mesmo chegar a ser negativos. É nessa altura que são chamados a entrar em acção os operadores do centro de despacho, na sala ao lado, para garantir que as turbinas param o tempo suficiente para que a procura recupere.

A procura futura de electricidade nos Estados Unidos não se compara com aquilo que se espera para a África, para a Ásia ou a América Latina, mas o amor dos americanos por ares condicionados no máximo e anúncios luminosos por toda a parte mostra que a falta de procura nunca será um problema no mercado que a EDP Renováveis elegeu como prioritário para os próximos anos. Nem isso, nem a falta de vento ou de sol, quando está à beira de entrar em vigor nova legislação que obrigará os diversos Estados a reduzirem, a partir de 2020, as emissões de carbono e a apostarem nas energias limpas, com destaque para as eólicas, onde a EDPRNA está já em número quatro do ranking de capacidade instalada (3,9 GW no final do primeiro trimestre).

A jornalista viajou a convite do grupo EDP

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