Mais de metade das empresas do sector da água já faz negócios no estrangeiro

Volume de negócios internacional do cluster da água atingiu mil milhões de euros em 2013.

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Mercado está desenvolvido, mas ainda espreitam oportunidades Marco Maurício

Timor, Colômbia e Argélia, mas também Croácia, Azerbaijão, Vietname ou Sri Lanka. À semelhança do que aconteceu em tantos outros sectores, as empresas portuguesas que operam nas várias vertentes do negócio da água, e que dão emprego a cerca de quatro mil pessoas, abriram-se ao mundo para compensar a estagnação do mercado interno. Em 2013, cerca de 60% das empresas do chamado cluster da água entrou num novo mercado geográfico e cerca de um terço conseguiu exportar serviços ou produtos que antes só tinha no mercado português. Mais de metade registou crescimento nas suas actividades internacionais que, no conjunto, representaram um volume de negócios de mil milhões de euros.

Estas são algumas das conclusões do inquérito “Balanço de Internacionalização 2013”, o primeiro do género, que foi desenvolvido pela Associação Empresarial de Portugal (AEP) e a Parceria Portuguesa para a Água (PPA) no âmbito de um projecto que será debatido nesta sexta-feira no seminário “ÁguaGlobal – A Internacionalização do Sector Português da Água”.

Os dados transmitem optimismo, mas não camuflam os desafios. Da língua aos fusos horários, dos costumes aos câmbios, da fiscalidade à legalização dos trabalhadores… há muitos factores que podem ser verdadeiras pedras no sapato das empresas em processo de internacionalização, reconhece o administrador da Efacec, Fernando Ferreira. “Mas o mercado é grande e as empresas portuguesas têm, pelo histórico do que foi feito no país, a capacidade de responder a desafios sejam eles mais ou menos sofisticados”. Se a Efacec Ambiente pôde contar com a experiência de internacionalização e a massa crítica do grupo, outras empresas de menor dimensão poderão ter mais dificuldade em dar o salto, ou pelo menos em fazê-lo sozinhas. Foi a pensar nessas empresas e na construção de uma verdadeira estratégia para o sector que, ao longo de dois anos, a AEP e a PPA desenvolveram um trabalho de análise e de recolha de informação sobre matérias como os instrumentos financeiros à disposição das empresas e os mercados mais promissores, seja na construção e operação de infra-estruturas hidráulicas, seja na assistência técnica, ou nas várias outras actividades que fazem parte da cadeia de valor da água.

Argélia, Marrocos, Angola, Moçambique, Croácia, Sérvia, Polónia e Brasil. É nestes países que as maiores oportunidades se concentram, segundo o estudo. É também nestes países/regiões que a diplomacia económica portuguesa deve concentrar os seus esforços, defende o presidente da PPA, Francisco Nunes Correia. Apesar de os Balcãs não serem dos mais tradicionais parceiros de negócio portugueses, “oferecem grandes oportunidades por causa dos fundos comunitários e de reconhecerem Portugal como um caso de sucesso no sector da água e saneamento”, frisa o ex-ministro do Ambiente.

Desbloquear financiamento

Se a Efacec, que neste sector desenvolve a sua actividade na Roménia, Argélia, Marrocos, Angola e Moçambique foi “empurrada para os mercados externos para manter o crescimento do volume de negócios” perante o abrandamento do mercado português, já a Cenor, consultora de obras de engenharia civil (e no sector das águas de projectos como túneis hidráulicos, gestão de recursos hídricos ou defesa contra cheias, entre outros) , garante que a internacionalização “foi uma questão de sobrevivência”.

Hoje, 85% da facturação (cerca de 16 milhões em 2013) já é garantida lá fora, disse ao PÚBLICO o director de serviço, Mário Samora. Com projectos em Cabo Verde, Argélia, Timor, Angola, Moçambique e Colômbia, a Cenor tem financiado a expansão internacional “com recurso às reservas que constituiu quando o mercado era rentável”, porque o “crédito é pouco e caro”.

O responsável sublinha a importância para o sector de desbloquear o acesso aos projectos financiados por instituições europeias como o BEI ou o BIRD, que são “formatados para serem entregues a grandes empresas do centro da Europa”, já que os pré-requisitos, como o volume de facturação excluem, à partida, empresas de menor dimensão “como as portuguesas e as gregas”. “Durante anos andámos absorvidos com a infra-estruturação e modernização do país, e as grandes empresas europeias mexeram-se. Hoje é difícil ultrapassar isso”, lamenta. Mais um trabalho para a diplomacia económica. Outro será o Brasil, onde o muito que há por fazer na área do abastecimento e saneamento é proporcional “ao proteccionismo do país”.

Estimular parcerias

Fernando Ferreira, que é também administrador da PPA, diz que “as empresas portuguesas são bastante solitárias”, embora comecem a surgir bons exemplos de parcerias orientadas para o mercado externo. Nunes Correia entende que “a complementaridade [entre empresas de várias especializações] deve ser uma das bandeiras do sector”. Para Fernando Ferreira, tem de haver noção que ir em parceria é também “repartir o risco”. E é meio caminho andado para o sucesso. “Quando vamos lá para fora levamos os fornecedores em quem confiamos”, refere.

Mário Samora afirma que na área da consultoria ainda é muito “cada um por si, não há marca Portugal”, embora em Cabo Verde e Moçambique a empresa esteja em conjunto com a portuguesa Norvia e, na Colômbia, tenha uma parceria estratégica com a Mota-Engil.

Apesar da estagnação do mercado e de Portugal já estar num nível “igual ou muito melhor que muitos países europeus ao nível da qualidade da água e do tratamento de esgotos”, Fernando Ferreira sublinha que ainda há “oportunidades no mercado português”, que corresponde a “cerca de 30% da carteira de encomendas” da Efacec. Também o presidente da PPA (que tem cerca de 100 associados ligados ao negócio da água, entre empresas, associações e centros de investigação) frisa que é “insensato pensar que está tudo feito em Portugal” e que o dinamismo do mercado português é fundamental para que as empresas “possam formar as suas pessoas” e consolidar o seu know-how.

O facto de o próximo envelope de fundos comunitários prever alguns investimentos no sector dá “alguma tranquilidade”, diz Nunes Correia. Já Mário Samora fala em “alguma descrença” e diz que não é para isso que as empresas estão a olhar neste momento. “Se vierem, ficamos todos contentes, mas ninguém está a gerir o seu negócio com base em expectativas do que pode ou não acontecer no mercado português”, garante.

E não tem dúvida que, no caso específico das consultoras, nada voltará a ser como antes. “Mesmo que o mercado cresça um bocadinho, os consultores portugueses só vão conseguir sobreviver se desenvolverem uma fatia considerável do seu portefolio na Ásia, América e África”.
 

   





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