Impostos e imposturas

Se o imposto sobre o combustível servir para melhorar os transportes públicos, é possível criar um círculo virtuoso.

O Marquês de Pombal fez muitas coisas certas e muitas erradas. Uma das certas foi criar pela primeira vez no país um embrião de rede de ensino primário e uma instituição de ensino secundário de elite, o Real Colégio dos Nobres (cuja sede veio depois a ser a Escola Politécnica e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa). Como pagou? Com um imposto sobre o vinho e o tabaco a que chamou “subsídio literário”. Uma daquelas “taxas e taxinhas” de que António Pires de Lima no governo anterior se queixava.

No tempo de Pombal não havia imposto progressivo sobre o rendimento em Portugal nem no resto do mundo. O mais importante dos impostos é muito recente: nos EUA tem pouco mais de cem anos, em França e na Alemanha um pouco mais do que isso. Ele não é só o imposto mais importante como o mais justo. Quem mais ganha paga uma proporção maior de impostos — simples.

É inegável também que o imposto directo é o que mais jeito dá ao estado. O Estado recebe o que tem a receber e o governo gasta da forma que conseguir aprovar no parlamento. Mas as taxas e taxinhas foram importantes no passado e vão continuar a ser importantes no futuro, por razões que também ajudam a explicar por que está errada a direita no debate sobre o orçamento de 2017.

Quando não está ocupada em acusar a esquerda de ser despesista e levar o país para a bancarrota, a direita portuguesa anda afadigada num processo de amálgama a que chama a “austeridade de esquerda”. Para essa amálgama é essencial alegar que todas as poupanças são sempre cortes e que todos os cortes são austeridade. E para essa amálgama é essencial proclamar que uma diminuição nos impostos directos parcialmente compensada por “taxas e taxinhas” não representa qualquer diferença para o cidadão e contribuinte.

Ambos os argumentos estão errados.

Deixar de pagar a colégios privados para dar livros gratuitos aos alunos das escolas públicas não é “austeridade de esquerda”. É poupança para o Estado — repassada para milhares de famílias no país. Devolver parte dos “aumentos brutais de impostos” da direita compensando parte dessa devolução com taxas sobre tabaco, álcool e combustíveis significa dar um alívio geral ao contribuinte com um agravamento em algumas actividades cujas consequências, aliás, acabam sempre pesando na despesa pública, nomeadamente de saúde.

As “taxas e taxinhas” podem até ter um importante papel social e político. Um dos melhores exemplos é precisamente o daquelas de que Pires de Lima se queixava. Toda a gente sabe que há em Lisboa um debate sobre se há excesso de turismo e quais serão as suas consequências. Mas se o turismo pagar por melhoramentos na cidade que beneficiem a vida de quem nela vive, talvez tenhamos encontrado maneira de evitar que esse debate se torne tóxico.

Da mesma forma, se for visível que o imposto sobre combustíveis serve para a ajudar a melhorar os transportes públicos ou que os aumentos no álcool e no tabaco contribuem para o serviço nacional de saúde, é possível criar um ciclo virtuoso no qual o pagador da taxa faz a escolha de consumo que a si compete e o Estado usa a taxa para fazer aquilo que deve.

O que eu esperaria de qualquer político empenhado na causa pública seria que ajudasse, mesmo a partir da oposição, a tornar a fiscalidade simultaneamente mais consciente e mais eficiente. E não, como vimos a direita nos últimos dias, tentar amalgamar a taxa sobre os refrigerantes da esquerda com a sua sobretaxa do IRS como se fossem a mesma coisa. Isso é dar o salto das “taxas e taxinhas” para os impostos e imposturas.

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