A glocalização do porto de Sines

O porto de Sines é um dos portos europeus que melhores condições naturais de acessibilidade marítima apresentam.

Malgrado as influências romana, visigótica e árabe e o facto de, durante séculos, ter sido um dos locais de origem de produtos como cereais, mel e vinho que abasteciam Lisboa, o porto de Sines nunca logrou atingir um estatuto mais do que secundário no complexo portuário da costa portuguesa até à segunda metade da década de 1960, quando começou a ser estudada a construção, em Sines, de um pólo industrial.

Com o novo cunho industrial dado ao porto da localidade berço de Vasco da Gama, foi dado um renovado fôlego a actividades como a pesca, a exportação de metais da região ou a refinação de produtos petrolíferos, de tal forma que a vila de Sines não mais conseguiu deixar de se identificar com o seu porto.

Em 2003, no entanto, acompanhando o dinamismo económico e social de países em várias latitudes do globo, o porto de Sines optou por abandonar a quase exclusividade do seu trabalho em torno do sector petrolífero, estendendo-o para a movimentação e tratamento de contentores.

Nos primeiros seis meses de 2014, por exemplo, o tráfego de contentores cresceu mais de 40% face a igual período de 2013, com as exportações a registarem níveis positivos. Segundo o sítio web do porto de Sines, os destinos destas mercadorias têm, nos últimos anos, sofrido uma relevante modificação, com os mercados fora das fronteiras da União Europeia a crescerem muito significativamente, em comparação com a contracção verificada no seio da União.

Não é, assim, possível dissociar o desempenho do porto de Sines das tendências da economia mundial, nem esquecer que os fenómenos associados à globalização estão, nos dias de hoje, grandemente ligados ao mar.

O que levantará às instâncias políticas, económicas, sociais e culturais mais esclarecidas em Portugal um conjunto de questões a que urgirá dar respostas, sob pena de, uma vez mais, o país, através também do porto de Sines e suas valências, ficar esquecido na incessante e imparável corrida pelo futuro.

O porto de Sines é um dos portos europeus que melhores condições naturais de acessibilidade marítima apresentam. Para além de ser um porto de águas profundas – e estar, por isso, apto a receber navios de grandes dimensões –, o porto de Sines encontra-se na confluência de três grandes massas continentais (América, África e Europa), o que lhe confere, neste particular, uma localização geoestratégica muito importante face às principais rotas marítimas actuais.

Recorde-se, a este propósito, por exemplo, que, no primeiro semestre deste ano, o valor das trocas comerciais entre a China e os países de língua portuguesa atingiu os 48,4 mil milhões de euros, traduzindo um aumento de 6,8% face ao período homólogo de 2013 (o Brasil – que tem, por estes dias, a primeira economia da América do Sul e uma das maiores do mundo, apesar de estar a atravessar um período recessivo – é o principal parceiro comercial lusófono da China: só entre a China e o Brasil, o fluxo comercial ascendeu, em 2013, a 61 mil milhões de euros), e que Portugal é o único país que, simultaneamente, integra o núcleo de três grandes blocos políticos, económicos e culturais (a Comunidade de Estados Ibero-Americanos, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa [CPLP] e a União Europeia).

Para além do mais, dentro de poucos anos, os países membros da CPLP serão responsáveis por cerca de um quinto da produção mundial de gás e petróleo…

Mas, ao destacarem-se as potencialidades do porto de Sines na captação, pela economia portuguesa, de parte dos frutos das relações comerciais no panorama mundial, não podem deixar de ser lembradas lacunas que, ao nível infra-estrutural sobretudo, as podem, perigosamente, limitar: o porto de Sines não dispõe, actualmente, das ligações mais adequadas aos níveis rodoviário e ferroviário, quer em relação ao resto do país (Évora, Beja ou Lisboa, por exemplo), quer em relação a Espanha e ao resto da Europa.

Portugal foi, é e será sempre um país europeu e atlântico. Sabendo-se que, para Portugal, a integração europeia, em vários campos, poderá ser envolvida por um sentimento de inevitabilidade, o porto de Sines pode tornar-se, nestes tempos de austeridade em que predominam vocábulos como défice, importações, exportações ou competitividade, uma mais-valia para a afirmação económica do nosso país na Europa, já que cerca de 85% do valor das importações e das exportações da União Europeia são atingidos através das estruturas portuárias. O que ajuda a caracterizar a União Europeia como (ainda, pelo menos) o maior espaço comercial do mundo.

O porto de Sines, através da melhoria das acessibilidades terrestres (IC 33 – Sines/Évora/Espanha; IP 8 – Sines/Beja/Espanha; a ligação ferroviária Sines/Elvas/Espanha) e das estruturas marítimas que o servem (pórticos e molhes) e da optimização da sua articulação com o aeroporto de Beja, poderá lançar as sementes do crescimento urbano da região e, deste modo, contribuir para a fixação e dinamização de um conjunto de actividades ligadas à investigação e às novas tecnologias.

 Ao mesmo tempo que, disputando aos portos seus "colegas" no Mediterrâneo (Algeciras e Tânger, principalmente) a captação de clientes e armadores e aproveitando o desígnio ambientalista em voga na Europa, solidificaria as bases da eficiência, da qualidade e da confiança e tornar-se-ia na "porta de entrada", na Europa, de mercadorias bem como um entreposto desta, e de Portugal, para o mundo.

Antropólogo

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