Vida e obra

A ambiguidade natural de Emmanuele Devos faz dela intérprete talhada para a personagem da escritora Violette Leduc, mas o filme é limitado pela mise en scène convencional de Provost.

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A ambiguidade natural de Emmanuele Devos faz dela intérprete talhada para a personagem da escritora Violette Leduc

De Martin Provost os espectadores portugueses tiveram oportunidade de conhecer Seraphine, biografia da pintora naive Seraphine Louis e história da sua inserção nos circuitos da arte. Não é só por o título ser outra vez um nome feminino que Violette parece, de facto, um filme do mesmo realizador, explorando características comuns.

É também uma narrativa biográfica, agora da escritora Violette Leduc, tanto quanto um olhar de época ou sobre a sua época (e se em “Seraphine” andávamos nas imediações da I Guerra”, em Violette andamos maioritariamente nos anos do pós-II Guerra). É portanto, e essencialmente, mais um “estudo de personagem”, e de novo, através disso, a relação de uma “força da natureza” com o mundo sofisticado, e até um pouco cínico, dos meios da boémia e da intelectualidade parisiense.

A Violette (Emmanuele Devos) de Provost tem algo de uma “inconsciência”, um impulso permanente que é como se não distinguisse entre a “vida” e a “obra” e tudo resultasse do mesmo movimento, e a ele fosse conduzido, com a sexualidade a concentrar essa indistinção entre o “vivido” e o “criado”. Algo, ainda, sublinhado pela relação de Violette com os seus dois principais e contrastantes coadjuvantes, o dandy homossexual de Olivier Gourmet e a muito mais cerebral Simone de Beauvoir, composta, muito bem, por Sandrine Kiberlain.

O retrato é inteligente, seguramente bem escrito, e a ambiguidade natural de Emmanuele Devos faz dela uma intérprete perfeitamente talhada para a personagem, mas o filme - de resto como acontecia em
Seraphine - é limitado pela mise en scène demasiado convencional de Provost, realizador que mais uma vez mostra talento para fazer coincidir, muito para além da psicologia, uma personagem e uma actriz de forma convincente, mas depois pratica um cinema com tendência para se mastigar a si próprio de modo raramente entusiasmante.

Ainda uma nota - se o espectador reconhecer a luz e as cores, singularmente pesadas e austeras, de Violette, e ficar a pensar de onde as conhece, nós respondemos: viu-as nos filmes de Bruno Dumont, o director de fotografia de Violette, Yves Cape, é o habitual operador do realizador franco-flamengo e traz para aqui todo o seu arsenal fotográfico.

 

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