Uma jóia da coroa

Uma belíssima obra do repertório sacro, intimamente ligada a Portugal, numa gravação de grande qualidade

O compositor italiano Davide Perez (1711-1778) entrou ao serviço da corte de D. José I em 1752. Atraído por um excelente salário, pela qualidade dos instrumentistas e cantores que na época actuavam em Lisboa, pelo esplendor das cerimónias das Capelas Real e Patriarcal e pelas faustosas produções de ópera, permaneceu em Portugal até à morte. Os seus primeiros anos ficaram marcados por grandes sucessos no teatro lírico, nomeadamente na Ópera do Tejo que estreou com a sua ópera Alessandro nell’Indieem Março de 1755, meses antes do terramoto que a destruiu. Após esta catástrofe Perez dedicou-se sobretudo à música sacra e é precisamente a sua obra mais famosa dentro deste género que surge agora gravada pelo Ghislieri Choir e Consort sob a direcção do maestro italiano Giulio Prandi e contando com as excelentes vozes dos solistas Roberta Invernizzi (soprano) e Salvo Vitale (baixo). As Matinas de Defunctos (Mattutino de’ Morti) foram provavelmente escritas em 1770, o ano da sua primeira apresentação por altura da peregrinação à Nossa Senhora do Cabo (Espichel), uma tradição que remonta à Idade Média e que se mantém viva hoje em dia. Até ao século XIX a obra foi apresentada com grande regularidade e é fácil compreender porquê. A música é simplesmente maravilhosa, fazendo suceder nove responsórios que se prolongam por cerca de 70 minutos com a mais esplendorosa diversidade de estilo. Uma escrita operática, plena de efeitos dramáticos, tessituras extremas, virtuosismo vocal, precioso contraponto e ambientes contrastantes fazem de Mattutino de’Morti uma das mais fabulosas criações musicais da época. 

Contando com um baixo profundo de portentosa voz na pessoa de Salvo Vitale e uma expressiva soprano em Roberta Invernizzi, a gravação conta com diversos solistas de grande qualidade no seio do coro. Sendo esta uma peça belíssima, a interpretação deixa margem para melhorias pontuais mas faz plena justiça à genialidade de Davide Perez. Cabe referir que a partitura utilizada foi revista por Giulio Prandi com a colaboração dos musicólogos portugueses Rui Vieira Nery e Cristina Fernandes, autora das esclarecedoras e completas notas de programa que acompanham a edição. 

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