O que a cultura prova a Bruxelas

As indústrias culturais e criativas no espaço da União Europeia movimentam um valor global da ordem dos 535,9 mil milhões de euros e criam 7,1 milhões de postos de trabalho.

Erra quem pensar que a cultura fica privada de relevância política e de influência social se não afirmar, como pressuposto básico, a sua expressão económica e a sua capacidade de criar riqueza, emprego e coesão social. No entanto, a evidência dessa realidade agiliza o debate com as forças políticas e a indispensável comunicação com a opinião pública, para quem, muitas vezes, a cultura é tida como um território secundário, subalterno e menor quando falamos de recuperação económica e da confiança que as comunidades devem ter no futuro, caso desejem encará-lo com combatividade e energia.

Basta pensarmos em poetas portugueses como Cesário Verde, António Nobre e Camilo Pessanha, autores de um só livro lido por muito poucas pessoas à data da publicação, para percebermos até que ponto obras de escasso mercado mudaram a vida literária e cultural dos seus países. Muitos outros exemplos igualmente eloquentes poderiam ser dados, mas estes têm valor de sobra para se perceber que nem só o que cria riqueza e emprego tem o direito de erguer os olhos para o céu em busca de uma luz que, em regra, lhe é recusada.

Todavia, quando se trata de usar os factos e os números para se tornar mais forte e sustentável a razão, é bom que os observemos com rigor e objectividade. Um estudo encomendado pelo Grupo Europeu de Sociedades de Autores (GESAC), com sede em Bruxelas e cuja Direcção a SPA integra, é inequívoco quanto àquilo que deixa demonstrado. Esse estudo, apresentado à Comissão Europeia no dia 2 de Dezembro, com um expressivo texto introdutório de Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, não deixa margem para dúvidas. Nele se demonstra que as indústrias culturais e criativas no espaço da União Europeia movimentam um valor global da ordem dos 535,9 mil milhões de euros e que criam 7,1 milhões de postos de trabalho. Mais: estas indústrias culturais e criativas são mais representativas e influentes em termos de mercado de trabalho que a do aço e do metal com 5 mil milhões de postos de trabalho, que a dos produtos alimentares com 4,8 mil milhões, que a do automóvel com 3 mil milhões, que a indústria química com 1,3 mil milhões e que, imagine-se, a das telecomunicações com 1,2 mil milhões. Acima deste sector de indiscutível relevância encontram-se somente a indústria da construção com 15,3 mil milhões e a da alimentação e dos serviços complementares com 7,3 mil milhões. Dito isto, que ninguém tente demonstrar, em discurso fluente e normal ou com inflexões meio patético-teatrais para mero consumo parlamentar, que os números não são definitivos. E de tal forma assim acontece que 19,1 por cento dos postos de trabalho na União Europeia são ocupados por jovens com idades inferiores a 30 anos, o que representa a mais elevada taxa de juventude no mercado de trabalho do continente.

Consciente desta evidência e das leituras políticas que ela não só consente como exige, Martin Schulz, dirigente socialista alemão e livreiro de profissão durante muitos anos, afirmou no texto introdutório do estudo: “A Europa está assente numa história de partilha e num rico património de diversidade cultural. Esta herança é partilhada pelos povos da Europa como algo cujo valor nos é comum. Isso dá à nossa União a sua identidade e é o cimento que a mantém unida. Eis a razão pela qual a Europa deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para preservar esse legado. A cultura é um dos maiores investimentos e riquezas da Europa.(...) Para já não mencionar o seu imenso valor imaterial, as indústrias culturais e criativas representam 4,3 do PIB da União e cerca de 7,5 milhões de postos de trabalho, começando pelo pequeno emprego. Estes números são muito encorajadores”. Dito deste modo, o essencial ganha a força das grandes evidências.

Quando os porta-vozes da indústria e dos seus operadores falam dos interesses que as reivindicações do sector cultural supostamente põem em causa, é bom que façam uma pausa e que comparem os números atrás expostos. Mas há mais: o sector da edição e do livro representa 646 mil postos de trabalho, o da música um milhão 164 mil, o das artes visuais 1 milhão 231 mil e o das artes cénicas um milhão 234 mil. Estamos em presença de muito trabalho, de muita gente e de muita receita. Esta realidade não pode ser subestimada nem subvalorizada pela nova Comissão Europeia que, nesta fase de adaptação e estudo, dá tempo ao tempo para perceber o que deve vir a ser a sua estratégia governativa, mesmo com muitos eurodeputados piratas e outros inimigos da própria UE integrados em comissões e outros grupos de trabalho. Se a cultura e aqueles que a fazem, produzem e difundem quiserem, podem forçar a Europa eleita em duro contexto de crise a ter de pensar pelo menos duas vezes, para não errar irremediavelmente.

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

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