Miles para sempre!

Nova reedição histórica de material de arquivo inédito mantém bem viva a chama de Miles Davis

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Em grande forma, Miles Davis dava aqui continuidade à revolução anunciada com Bitches Brew, improvisando com eloquência DAVID REDFERN

Tal como já acontecera este ano com edições históricas dedicadas à música de John Coltrane ou Jimmy Giuffre, a gigante Sony Music acaba de lançar o terceiro volume das Bootleg Series dedicadas a Miles Davis, desta vez uma caixa de quatro CD contendo a totalidade das quatro noites em que o grupo de Miles Davis se apresentou no lendário Fillmore East, em Nova Iorque, nas noites de 17 a 20 de Junho de 1970. Mais de duas horas de música inédita que incluem ainda três temas gravados no Fillmore West uns meses antes. 

Miles Davis dava aqui continuidade à revolução anunciada com a edição de Bitches Brew, ponto fulcral da sua grande viragem estética, e fazia-se agora acompanhar por Steve Grossman (saxofones tenor e soprano), Chick Corea (piano eléctrico), Keith Jarrett (órgão, percussão), Dave Holland (baixo), Jack DeJohnette (bateria) e Airto Moreira (percussão, flauta e voz). A distância em relação ao quinteto clássico dos anos 60 (com Shorter, Hancock, Carter e Williams) era já enorme, e, mesmo comparando com Bitches Brew, a música tinha-se tornado mais dura, cada vez mais influenciada pelo rock e pelo funk das bandas com as quais partilhava os palcos em concertos para milhares de pessoas. Do destaque dado às grandes vozes solistas, com improvisações majestosas onde eram claros um princípio, um meio e um fim, Miles passara agora para uma concepção polifónica e (musicalmente) mais democrática, onde o importante era a rítmica conjunta e a textura e densidade sónicas. As vozes solistas, de Miles, Grossman ou Corea, aparecem integradas num todo mais alargado e funcionam como contraponto aos elementos rítmicos, melódicos e harmónicos que vão sendo “alimentados” pelos restantes músicos. Com a sua trompete ligada à electricidade, Miles estava em grande forma, improvisando com particular eloquência rítmica. Ao longo dos 4 CD podemos testemunhar a fascinante metamorfose operada em temas clássicos como DirectionsThe maskIt’s about timeBitches brew ou The theme, repetidos noite após noite, sendo audível o crescimento da banda em termos de segurança e criatividade. Assim como acontecera com as Cellar Door Sessions ou as Complete On The Corner Sessions, verificamos que esta é a forma ideal para se ouvir Miles — na íntegra e não editado. Alguns dos elementos que apareciam na edição original um pouco fora de contexto, como a passagem explosiva protagonizada por Jarrett, Corea, Holland e DeJohnette, ou a própria prestação de Grossman ao longo de todo o disco, não conseguindo fazer esquecer Shorter, surgem aqui totalmente valorizadas e colocadas no melhor contexto possível. Uma das edições do ano!

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