Intimidade

Foto

O cinema a captar o modo de pensar o teatro e a dança

Distribuídos por diferentes secções, os filmes que o Doc seleccionou como exemplos de um olhar cinematográfico sobre o teatro e dança centram-se  no discurso dos criadores, sendo esse o olhar que importa e não tanto o do cineasta. Nomes como Patrice Chéreau, Anna Halprin, Jerome Robbins ou Alain Platel estão em destaque em filmes que procuram ser testemunhas não apenas do seu discurso mas também da aplicabilidade prática desse discurso.

Há retratos mais próximos da intimidade, como os do francês Chérau em "Le corps au Travail", de Stéphane Metge (dia 18, 22h15, Alvalade 3; 21, 18h15, Alvalade 3) e o da norte-americana Anna Halprin em "Breath made visible", de Ruedi Gerber (dia 18, 23h, S. Jorge 3; 24, 15h30, S. Jorge 1), que revelam o modo como os espectáculos se tornam extensões do modo de entender a vida, eles que foram pioneiros de uma linguagem que alargou as fronteiras do teatro e da dança.

Para Chéreau é o desejo pelo corpo, em Halprin é um assumir do corpo como parte da natureza. São ambos documentos onde os realizadores se apagam para darem espaço à grandeza dos artistas. Com materiais de época preciosos - ver a versão original de "Parades and Changes" (1965), de Halprin,  ou a encenação de "Ricardo II" (1970), de Chéreau, é assistir ao momento que a história da criação contemporânea se fazia -, e deixando-se levar pelo discurso intuitivo dos dois artistas, são filmes que demonstram ser o desconhecido o que os atrai. Chéreau fala do perigo de morrer, e da beleza da violência. Halprin reflecte sobre a possibilidade de desaparecermos num movimento que tudo integre.

Um e outro são de uma lucidez e clareza que só a experiência pode dar e, no entanto, não deixa de ser admirável que desde cedo tenham afirmado ao que vinham e, ainda assim, nunca tenham deixado de procurar uma resposta para o que faziam. São retratos sempre incompletos porque ambos assumem haver coisas nas obras da ordem do indizível. Mas retratos, ainda assim, que nos deixam mais perto do mistério que os espectáculos exercem.

Mistério também o que se procura revelar em "NY Export: Opus Jazz", de Henri Joost e Jody Lee Lipes (dia 23, 17h30, S. Jorge 1; 24, 23h, S. Jorge 3) sobre esse "West Side Story abstracto" desenvolvido por Jerome Robbins, que levou a rua para os palcos da Broadway na mesma altura em que Anna Halprin procurava encontrar um espaço para um movimento mais perto de uma comunhão com a natureza. É também a partir de um interesse pelo que é real que Robbins trabalha e o filme, feito por bailarinos do New York City Ballet, é uma obra de vídeo-dança que permite perceber a complexidade do movimento de Robbins, longe uma expressividade superficial ou de uma iconoclastia redutora.

"Passion - Last Stop Kinshasha", de Jorg Jeshel e Brigitte Kramer (dia 19, 21h30, S Jorge 1; 23, 21h, S. Jorge 3), acompanha a última apresentação de "pitié!", de Alain Platel, agora num regresso à capital do Congo, Kinshasa, onde se apresenta à população local. O filme acaba por seguir a surpresa da equipa perante a realidade congolesa e é isso que cria um sentimento de desconforto. Uns e outros observam-se, os do resto do mundo no Congo, os congoleses a verem-se representados por aquelas pessoas, no que pode ser um curioso exercício especulativo sobre o modo como a percepção criada pelos estudos pós-colonialistas sobre o corpo esbarram perante a realidade que analisam.

Sugerir correcção
Comentar