Há vida depois da morte

Flying Lotus: hip-hop sem ser hip-hop, jazz sem ser jazz

Foto

Há quatro anos, o americano Steve Ellison, ou seja Flying Lotus, dizia-nos em entrevista que gostava de experimentar a sua música como se fosse uma espécie de meditação. Faz sentido. 

Ao longo de quatro álbuns a sua música foi-se tornando cada vez mais ambiental, textural, climática. Ele que cresceu em contacto com a música jazz cósmica da tia-avó Alice Coltrane, mas que começou no reinado das batidas menos previsíveis do hip-hop, tem vindo a tornar a sua música cada vez mais fluída e abstracta e menos composta em estruturas apreensíveis. Se até agora o jazz, pelo menos uma certa ideia de jazz, se apresentava como corpo de desejo, agora parece ser a materialização dessa fantasia. 

Os últimos álbuns pareciam devaneios, um caudal de melodias, ritmos e texturas que se sustinham em rede, resgatando elementos de vários géneros (jazz espacial, hip-hop cósmico, funk digital), que acabavam por formar um singular mapa mental. 

Agora leva esses pressupostos mais longe. Em You’ Re Dead traça um itinerário psicadélico onde existe recomposição de cenários conhecidos, mas onde prevalecem os encontros inéditos. 

Como já acontecia em álbuns anteriores há alguns convidados ilustres, entre cantores e instrumentistas (Snoop Dogg, Kendrick Lamar, Angel Deradoorian dos Dirty Projectors, Thundercat ou Herbie Hancock), mas as suas participações são espectrais, com as canções interpenetrando-se umas às outras, num fluxo contínuo. 

É um som líquido, cambaleante e desarticulado, hip-hop sem ser hip-hop, jazz sem ser jazz, aquele que nos é dado a ouvir. Qualquer coisa de expansivo, caldeirão borbulhante de andamentos elásticos e sons cósmicos, ruídos obscuros, linhas de baixo serpenteantes, numa colisão infinita de partículas, misto de sonho e realidade, de vida e morte, ou de vida depois da morte.

Sugerir correcção
Comentar