Há presente nos GNR

Ainda há nervo suficiente na banda para fazer nascer canções que ombreiam justamente com os seus maiores feitos passados. A isso chama-se, afinal, presente.

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GNR: ainda há nervo para fazer nascer canções que ombreiam com os seus maiores feitos

A pressão da comemoração de aniversários redondos conduz muitas vezes a más decisões.

No caso dos GNR, se em boa hora foi recuperado para CD Defeitos Especiais(1984), o álbum em que o grupo encontrava uma forma mais temperada de lidar com a experimentação da canção levada a cabo em Independança, os 30 anos apadrinharam também a revisitação do seu catálogo antigo em novas versões passadas a limpo na colectânea Voos Domésticos. E foi esse gesto que acabou por deixar um sabor amargo. Ficava a sensação de se olhar para um tio em quem repentinamente se percebe o acentuar da idade e se teme pela aparente falta de sincronismo com o mundo à sua volta.

Sobretudo porque as novas versões apenas empobreciam os originais e pareciam revelar um desgaste acelerado do grupo. Caixa Negra é, a todos os níveis, uma assertiva negação de tudo isso. Mesmo não trazendo novidades de maior à sua sonoridade, mesmo não alcançando o elevando padrão generalizado que não repetem desde o excelentePopless, a verdade é que desaparece por completo a sensação de esgotamento de ideias que Voos Domésticos fazia recear.

Desde logo porque a nova versão de Desnorteado (de Defeitos Especiais), a única excepção aos inéditos que compõem Caixa Negra, chega com a inventividade de imaginar um arraçado de tango que poderia ter sido parido pelo Morricone dos western-spaghetti (com direito a sugestivo assobio) onde antes havia uma delirante canção inquieta e nervosa. Mas mais importante do que isso, esse livre olhar para o passado em Desnorteado parece, desta vez, ter dado a germinar MacAbro, magnífico tema final que recupera essa mesma toada de pop trânsfuga que sempre definiu os GNR nos seus melhores momentos. 

MacABro

 ouve-se com o fantasma de Kurt Weill a espreitar por cima do ombro, com os ecos dos coros de 

Hardcore 1º Escalão

 ainda a ressoar nos ouvidos e com a certeza de que, apesar de um alinhamento que muitas vezes apenas prolonga aquilo que esperaríamos dos GNR maduros pós-

Popless

 (com excelentes resultados em 

Honolulu

 ou

Não Há Guerra

), ainda há nervo suficiente na banda para fazer nascer canções que ombreiam justamente com os seus maiores feitos passados. A isso chama-se, afinal, presente.

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