Gamel Gamel Hey!

O novo disco da banda liderada por Yoshimi P-W é fabuloso

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OOIOO: o júbilo é irresistível DR

Com excepção de um curto período na década de 90, em que foram incensados por John Zorn e músicos dos Sonic Touth e dos Pavement, os Boredoms nunca conheceram as alegrias (e as tristezas) da popularidade. Até o mundo indie, supostamente mais tolerante, tratou de os esconder na sombra das bizarrias e dos exotismos incómodos.

Eram japoneses, faziam barulho, demasiado barulho e (heresia ignorante!) insistiam em instrumentos tradicionais. Do Japão, só as Cibbo Matto (e vá lá as Shonen Knife) eram bem-vindas. Alheia a esse snobismo desinformado, Yoshimi P-W, a baterista da banda de Osaka, fundou as OOIOO e, a intervalos regulares, foi oferecendo boa música aos que tivessem os ouvidos (bem) acordados. Gamel assinala o regresso à edição depois de quatro anos sabáticos e é um disco fabuloso.
O nome terá inquietado algumas almas, pois da pop ao punk, passando pelo kraut-rock e a música africana, pouca coisa tem escapado ao apetite omnívoro deste quinteto. Enfiam, temia-se uma apropriação oportunista do gamelão de Java, a mera incorporação de mais uma sonoridade, como se de um ornamento se tratasse. Temor infundado. Logo à primeira audição, os sons dos metalofones e dos tambores são sons das OOIOO. E o gamelão é apenas mais um instrumento com que Yoshimi P-W e as suas cúmplices fazem música, música difícil que abisma quem a escuta. Don Ah, a primeira faixa, soergue-se com vozes, às quais se juntam delicadamente as “cores” do gamelão. A percussão marca o tempo antes de um crescendo delicado se insinuar e se calar, para deixar a sós os sons do metafolones. É um momento de puro deleite. Outros se seguirão na mesma faixa, ora repetindo esta (primeira) parte, ora deixando entrar os coros e os tambores, introduzindo o ambiente de uma cerimónia onde se imagina a presença dos Can, de Sun Ra, de Steve Reich e dos Count Five. Não há nada canónico ou de reverencial neste disco, sublinhe-se. O jogo é das OOIOO como também são a diversão, a experimentação, o improviso, a concentração. Cada tema é uma sucessão de abalos, de emoções, de danças. Ouça-se Gamel Ninna Yama. Começa em tom de ritual suave, acelera ao som de vozes femininas e riffs, suspende-se para acolher uma exclamação festiva. Mas não fica por aqui: os tambores sossegam a eletricidade e libertam a percussão para um bailado imprevisto. As vozes, sempre omnipresentes, falam com fonemas, gritos, interjeições. O júbilo é irresistível. Em Gamel Kamasu o trompete desenha um fundo melancólico que será tomado pelas guitarras e em Atatawa chega a alucinação: Ari Up e Andy Gill também fazem parte das OOIOO. Jesso Testa é a canção que mais brilha em Gamel: uma montanha russa acelerada pelo ritmo do gamelão e pelas sinfonias das guitarras (de Glenn Branca) que só a languidez das vozes consegue serenar. E à beira da exaustação, Gamel Ulda fecha o disco, com as primeiras palavras cantadas e sons de pássaros. A aventura acabou. Rewind.

 

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