No último dia a ModaLisboa teve lágrimas

Na 44.ª ModaLisboa, que terminou neste domingo no Páteo da Galé, vimos passar os temas da moda actual e as tendências – o pêlo, as décadas passadas e as cores do Inverno.

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Crianças com cancro ajudaram Filipe Faísca a fazer a sua colecção e a mostrá-la ModaLisboa
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Não foi a primeira vez que Filipe Faísca levantou uma sala com uma colecção emotiva – mas domingo as lágrimas misturaram-se com as palmas porque a parceria do designer com a Fundação Rui Osório de Castro, que se dedica às crianças com doenças oncológicas, não só pintalgou a sua colecção para o próximo Inverno como vestiu essas mesmas crianças na passerelle.

Que dimensão acrescentam ao pêlo laranja e azul eléctrico e aos vestidos baby doll? É moda, roupa ou mais do que isso? “É moda”, responde peremptório o criador. “A moda é transversal a tudo. É vida, é pele.”

A criança dentro de si, “uma fera que adora papel e tesoura”, ficou “grata” pelo desafio que lhe foi feito e que levou a que 30% da venda destas peças revertam a favor da fundação. As outras crianças, as apoiadas pela fundação, fizeram workshops com Faísca, desenharam e esses corações, rostos pueris e borboletas foram para as camisas-vestido, para as calças à boca de sino, para a passerelle.

E não só – Filipe Faísca trabalhava para estas colecções as suas habituais mulheres sensuais e “perversas”, ou ícones como Jane Birkin e o seu vestido que dizia “Darling” (o nome da colecção). Mas o processo criativo foi inundado pela experiência. Misturou com a seda, com o pêlo de carneiro e com o linho o neoprene do vestido princesa que encerrou o desfile aberto por Sofia Aparício. “Neste processo, entrou a mulher girly e o seu vestidinho. E o neoprene é um material de criança, é um processo rápido.” Aplausos, lágrimas, de diferentes origens das de 2007 quando apresentou Portugal, Portugal no Museu de História Natural, mas um desfile que, para o criador, continua a ser “moda, moda”.

O Inverno 2016, segundo a passerelle da ModaLisboa, é tendências e cores (mostarda, verde, negros, azuis fortes, tons pele), é silhuetas anos 1970, mas também 1880 – Nair Xavier, saída do Sangue Novo para a plataforma LAB, foi ao romance do poeta John Keats com Fanny Brawne visto por Jane Campion no filme Bright Star para uma colecção masculina que também teria agradado à geração Beat dos anos 1950. Na Casa da Balança, mais uma vez beijada pelo sol e pelos frequentadores da renovada Ribeira das Naus, houve calças pinçadas, sem cós, elementos das colunas da Antiguidade Clássica nas camisolas, verdes, bordeauxs, xadrez. A ela juntar-se-ia ao fim da tarde Nuno Gama, mais testosterona versão Camões na colecção Lusíadas I, veludos, lãs, pele e caxemiras e o inevitável pêlo a convidar para mais um Inverno frio na moda masculina.

Essa é, aliás, o último reduto da moda actual para a consultora de tendências Li Edelkoort. Estamos na ModaLisboa, vemos as colecções passar, os convidados a observar, os designers e manequins a trabalhar. Mas vemos também os temas da moda actual, com a moda portuguesa em fundo, desfilar também. A holandesa Li Edelkoort publicou há duas semanas o manifesto Anti_Fashion que decreta a implosão da indústria da moda, que critica a formação de designers baseada no ego – os “mini Karls”, aludindo ao kaiser da Chanel Karl Lagerfeld -, os desfiles curtos e pouco emotivos, a perda dos saberes artesanais.

As cenas dos próximos capítulos, no dia em que se apresentou também na plataforma de micromarcas LAB o projecto AwayToMars, que com peças básicas mas com design assertivo quer democratizar a autoria através de um site colaborativo, para Edelkoort resumem-se numa palavra: roupa. E não moda. “Os consumidores de hoje e de amanhã vão escolher por si, criando e desenhando os seus próprios guarda-roupas”, lê-se no manifesto da holandesa que dirige um dos mais importantes gabinetes de tendências do mundo, a Trend Union. “As roupas”, na sua encarnação mais utilitária e socialmente consciente – feitas pelos consumidores, encontradas, trocadas, emprestadas -, “vão dominar as tendências no futuro. Portanto, celebremos as roupas”.

As roupas e a moda de Catarina Sequeira, aliás Saymyname, tentam essa ligação ao tecido social tendo como ponto de partida a tese popular dos Seis Graus de Separação (que indica que todos estamos interligados num máximo de seis passos ou pessoas que nos conhecem ou que conhecem quem nos conheça). Vai à natureza encontrar uma rede para essa ligação e coloca-a nas peças de lã e nas mousselines em rosas fortes, pretos e cinzentos.

Domingo, último dia da 44.ª ModaLisboa, apresentaram-se também Lidija Kolovrat e o seu Micro-Macro, a angolana Nadir Tati estreou-se numa passerelle portuguesa e Nuno Gama teve uma das maiores enchentes da edição. Os seus Lusíadas I acrescentaram a dimensão de espectáculo à noite, com aves de rapina a acompanhar os manequins na passerelle enquanto desfilavam com estandartes com a cruz de Cristo, chapéus de inspiração quinhentista e peças de design contemporâneo numa encenação que terminou com Amália e o hino português a fazer erguer a sala para aplausos emocionados. 

E em continuidade com a sua colecção de Verão, Pedro Pedro encerrou o evento ao som da música dos portugueses Moullinex e Xinobi que, ao vivo, deram som à paleta de cinzas, rosa velho e negro. A atmosfera criada foi de envolvência, aconchego e conforto, com as manequins envoltas em saias e vestidos em algodão, malhas caneladas, lãs feltradas e comprimentos abaixo do joelho numa colecção com a marca do designer - não só nas cores, no intimismo e na descontracção, mas também pelos apontamentos de pespontos propositadamente visíveis que remataram a noite.

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