Está a música pop cada vez mais triste?

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O estudo baseou-se no tempo e no modo das canções para as classificar Paulo Pimenta

Nos últimos 50 anos a música pop tornou-se mais depressiva. Esta é a principal conclusão de um novo estudo que defende que as canções são agora mais lentas, mais longas e mais tristes.

Depois de ter sido publicado um estudo que afirmava que a música está cada vez mais igual, o tema – concretamente o género pop - volta a despertar a atenção de investigadores. O novo estudo - Emotional cues in American Popular Music: Five Decades of the Top 40 - , dirigido pelo psicólogo Glenn Schellenberg e pelo sociólogo Christian von Scheve, teve por base a análise a 1010 canções do Top 40 da lista Billboard entre os anos de 1965 e 2009, e concluiu que na sua maioria as músicas eram tristes.  

“Algumas características musicais são pistas para a alegria (tempo rápido e modo maior) e outras são pistas para a tristeza (tempo lento e modo menor)”, dizem os autores no estudo publicado em Agosto na revista americana Psychology Of Aesthetics, Creativity, and The Arts, explicando que encontraram mais músicas tristes.

Para Pedro Boléo, crítico de música do PÚBLICO e investigador no Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos em Música e Dança (INET-md), os conceitos de tristeza e alegria são demasiado redutores, pelo que é impossível fazer generalizações a partir de um estudo. “Não se pode catalogar [assim] as músicas, isso depende de um código cultural”, diz ao PÚBLICO. “As músicas em si mesmo não são alegres nem tristes, as pessoas é que as associam e isso já acontece desde a Grécia Antiga”, acrescenta.

Para dividirem as músicas entre tristes e alegres, os investigadores basearam-se em dois factores decisivos: o tempo e o modo – maior (o que significa que a canção é mais animada) ou menor (menos animada).

Quanto ao tempo, analisaram as batidas por segundo, e, quando esta técnica era inconclusiva, recorreram à média do número de palmas com que as pessoas acompanhavam as canções. Por sua vez, o modo está relacionado com o intervalo entre certas notas em diferentes escalas. 

Seguindo estes parâmetros, concluíram que o número de músicas gravadas em modo menor quase duplicou nos últimos 50 anos. Já em relação ao tempo, perceberam que as canções mais lentas continuaram a aumentar depois do seu pico nos anos 1990. Paralelamente, neste período registou-se uma quebra no número de canções alegres. 

Para Pedro Boléo, as conclusões são pouco significativas. “Há música electrónica que se pode prolongar indefinidamente sem ter ninguém a tocar. Também surgiram ritmos rápidos como a música de dança que vive dos tempos acelerados”, justifica. 

Mas Glenn Schellenberg e Christian von Scheve defendem a sua teoria: “Analisámos como as pistas emocionais na música popular americana têm mudado ao longo do tempo, prevendo que a música se tornou progressivamente mais associada à tristeza e emocionalmente ambígua”, dizem no estudo.

“Não me parece que haja um aumento da tristeza nos últimos anos. Pode não ser aquela alegria dos anos 1960, mas não há grande tristeza desde os anos 1990”, diz ao PÚBLICO Adolfo Luxúria Canibal, vocalista dos Mão Morta.

O estudo releva ainda que as canções se têm tornado também mais longas, sendo cada vez mais compostas por mulheres.

“Mais longas não podem ser”, diz peremptório o músico José Cid, justificando que “nas rádios há licenças que não deixam ultrapassar os três minutos e quarenta [segundos], aproximadamente”. 

As músicas que envergonham
Como possíveis causas para a música pop se ter tornado mais triste, os autores alegam o aumento do consumismo e do individualismo cultural, que “provoca uma exigência por mais opções de escolha”. Numa altura em que as letras melancólicas de por exemplo Bon Iver, que se tornou conhecido com temas como “Skinny Love” ou “Re: Stacks”, são um caso de sucesso, o estudo defende que poderá ser por uma questão de “maior sofisticação ao nível dos seus gostos”, que os consumidores optam por estas canções.


Por isso, a investigação nota que músicas como “Waterloo” dos Abba são para os consumidores “inocentes e ligeiramente infantis”. A apreciação de canções modernas dentro do mesmo estilo – como “Barbie Girl” dos Aqua – provoca vergonha.

“Talvez a pop actual não seja propriamente Abba, mas não se pode definir [a música] em definitivo”, defende Cid, rejeitando rótulos na música. “A música tem de ser analisada dentro de um determinado contexto.”

Luxúria Canibal também recusa a justificação dos autores. “Os Beatles, que eram um grupo pop, no início [anos 1960] tinham letras inocentes, incolores e inodoras, mas ao longo do tempo foram ganhando densidade sem as músicas perderem velocidade.” Quando era adolescente, o vocalista dos Mão Morta preferia músicas mais rápidas, das quais, no entanto, ficava saturado depois de algum tempo. “Com os slows já não acontecia isso. Demoravam a ser atractivos, mas depois ofereciam outro deleite musical. Talvez por isso, hoje possa estar a acontecer o mesmo”, acrescenta, lembrando casos da sua adolescência.

Já Fernando Alvim, humorista e radialista de profissão, não concorda com a visão de Adolfo Luxúria Canibal. “As pessoas já não gostam de slows”, diz Alvim, que é também DJ, ou como costuma dizer “mete-discos”. “A minha preocupação é pôr música que faça as pessoas dançar”, explica, contando que é por isso que não restringe a sua música a um único estilo, passando desde Amália Rodrigues, a Chemical Brothers, até à conhecida música da série infantil “Dartacão”. “Não tenho medo do termo ‘popular’. Há música popular com muita qualidade e hoje em dia o grau de exigência [do público] é cada vez maior. Há musica em todo o lado: na Internet, na rua, nos elevadores”, acrescenta.


Já no ano passado, um estudo foi publicado neste sentido, mas tendo em conta as várias letras de canções pop escritas entre 1980 e 2007. As conclusões apresentavam uma quebra nas referências a interacções sociais e a sentimentos positivos e um aumento de palavras relacionadas com raiva e comportamentos anti-sociais.
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