Em vez de ilusões, pensamentos para acções

Um náufrago contra a corrente, o que faz de melhor é boiar para tomar fôlego e perceber como sair dela. Esbracejar sem forças é precipitar o afogamento.

Muito aqui escrevi artigos de opinião sobre políticas culturais e episódios a ela ligados, com especial incidência no teatro. E foi até através do Jornal Público, pela distribuição em edição num Dia Mundial do Teatro, que condensei, desenvolvi e alarguei essas ideias num livro denominado Do Outro Lado da Máscara – Ensaios Teatrais Politicamente Incorrectos. De tudo que lá escrevi, não renego, nem me deixo de rever em cada palavra e ideia no contexto em que foi escrito: quando Portugal ainda estava longe de fazer a sua reforma malrauxiana , que na Europa começara no pós-guerra e era prioritária como ponto de partida; muito mais importante do que um pseudo-pós-modernismo ‘macaqueado’ – e mal – de quem já começara, de resto, a ultrapassá-lo.

Mas a História – gostemos ou não do rumo – tem desígnios próprios, por vezes surpreendentes, inesperados e até com retrocessos. Não sou um determinista histórico, porque entendo que se há leis históricas que se se podem estabelecer, devem ser enunciadas como equações que contêm incógnitas de vário tipo, a começar pela acção dos homens e mesmo de um só homem capaz de mobilizar ou não outros para um destino colectivo. Não digo “homens providenciais” nem o contrário de cada episódio ser a transposição mecanicista da posse dos meios e relações de produção e da luta de classes. Se Pascal exagerou com a importância dada ao nariz de Cleópatra, Marx também, no pólo oposto, quando saltou da análise brilhante para os cânones messiânicos do Materialismo Histórico.

Dito isto, não vale a pena meter a cabeça na areia como um avestruz ou ficar à espera de Godot, que o próprio Beckett anuncia, pela voz do rapazinho, que o Senhor Godot mandou dizer que não vem hoje… O que se percebe que se repetirá ad nauseam dia atrás de dia para um Vladimir e um Estragon que não saem do círculo. Portanto, sem optimismos utópicos (belos como tal, completamente inúteis para aquilo a que se propõem), uma espécie de Disneyland para intelectuais bem intencionados, também não caio no Nihilismo paralisante e não subscrevo como lei inexorável absurda, também beckettiana, o raciocinem, raciocinem, estamos na Terra, não há remédio. Mas no quadro actual - mais que pós-moderno ou pós-guerra, em que se adivinha e avizinha um ante-guerra e ante-neoconservadorismo, numa luta titânica - repetir fórmulas é tão inútil como desistir simplesmente.

Não sei o que virá, incluindo a hipótese real da autodestruição da nossa Espécie. Mas sei que nada voltará ao que era há menos de 5 anos: em Portugal e, de uma outra forma, na Europa, quiçá no Mundo. O tempo de Malraux que defendia para programa cultural em Portugal ficou inexoravelmente para trás. E, por isso, no teatro e na cultura (como na economia, na política, na gestão, na organização, na caracterização do próprio Estado ou no que seja) tudo vai ser diferente. Por mais justo que seja combater onde se está, se não se perceber primeiro o que está realmente, o futuro próximo previsível a curto ou mesmo médio prazo (que pode ultrapassar a esperança de vida normal para a minha geração) e se não se reflectir em simultâneo para encontrar respostas adequadas – que não têm de se esgotar numa só componente, estratégia ou forma – e para as aplicar com renovação e não repetição, com coragem e não expectativa, com radicalidade (não extremismo, digo) e firmeza (não teimosia, digo) em vez de rendição, com confronto (seja com quem for) em vez de consensos, com ideias em vez de pragmatismos… Seremos actores passivos de um destino trágico, onde arte e cultura caminham para o abismo com a Humanidade.

Não capitulo sequer em acções, mas privilegio a inquietação introspectiva e extrospectiva no pensamento e na própria expressão dele na tal acção: como dramaturgo e encenador, no caso do teatro. Mas entendo que é chegado um espaço de sit venia verbo para reestruturar o próprio pensamento. E mais: proponho mesmo que o façamos todos os que no teatro pensam o teatro, e o teatro como cultura e arte, com humildade e crueza psicanalítica.

As pausas críticas, perante o inesperado, contam mais para sedimentar o futuro do que ilusões com desejos imediatos para o nosso tempo. Um náufrago contra a corrente, o que faz de melhor é boiar para tomar fôlego e perceber como sair dela. Esbracejar sem forças é precipitar o afogamento.

Encenador

castroguedes9@gmail.com

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